Recentemente realizei para a faculdade, a propósito da cadeira de Teorias e Políticas do Desenvolvimento, um trabalho de investigação sobre o feminismo nos países islâmicos. Pelas notícias que nos chegam regularmente nos jornais, todos nós (civilização ocidental) temos uma imagem clara de que as sociedades dos países de religião islâmica são bastante machistas, mas ao realizar este trabalho constatei que esta característica cultural está muito para além do que a maior parte das pessoas pensa. Quando ouvimos notícias de mulheres nesses países que são violadas/torturadas/mortas, temos tendência a pensar que são situações muito pontuais, perpetradas por extremistas e que de uma maneira geral são condenadas pelo resto da sociedade local. O mínimo que posso dizer como algo que retirei do trabalho foi que a luta feminista que se trava no Ocidente (que obviamente se justifica) é uma brincadeira de crianças quando comparada com a luta que se trava nos países muçulmanos.
Uma das tarefas que me coube realizar (era um trabalho de grupo) prendeu-se com encontrar uma origem para o facto da sociedade ser tão machista. Porque razão as civilizações humanas são sempre, pelo menos na sua origem, patriarcais? Bem, na verdade o patriarcado está-nos nos genes. É algo que evoluiu com a nossa espécie como acontece com outros animais. Pense-se no leão por exemplo, onde um macho chefia uma família de várias fêmeas, sendo estas as encarregues de caçar e tratar das crias.
Mas se assim é, então porque evoluiu esta situação nos países ocidentais, e nos islâmicos não? Em primeiro lugar, uma das características que distingue os seres humanos dos outros animais é a sua capacidade para domar e contrariar (ainda que com dificuldade) os seus instintos naturais. E como qualquer feminista vos dirá, ainda vivemos num mundo machista, embora nas últimas décadas tenham havido avanços extraordinários neste aspecto.
O motivo principal que encontrei para justificar haver um atraso civilizacional tão grande nos países islâmicos acaba por recair na sua religião. O Islão é, como mostrarei à frente, uma religião que prega a diferença de direitos entre homens e mulheres. O cristianismo também tem características bastante machistas mas possui um livro sagrado muito mais aberto a interpretações, que podem evoluir à medida que a sociedade evolui secularmente. Mas o Islão oferece ordens claras e explicitas, sendo por isso muito mais propenso ao fundamentalismo.
A investigação para este trabalho levou-me inclusive a ler o Alcorão, livro sagrado do Islão e a constatar que as ordens estão lá expressas de uma maneira surpreendentemente clara e declarativa. No que toca à relação entre homens e mulheres o capitulo 4, versículo 34 diz:
"Os homens estão por cima das mulheres, porque Deus favoreceu a uns em relação aos outros, e porque eles gastam parte das suas riquezas em favor das mulheres. As mulheres piedosas são submissas às disposições de Deus; são reservadas na ausência dos seus maridos no que Deus mandou ser reservado. Àquelas de quem temais desobediência, admoestai-as, confinai-as nos seus aposentos, castigai-as. Se vos obedecem, não procurareis pretexto para as maltratar. Deus é altíssimo, grandioso."
Portanto desde logo, o homem tem o "direito" de castigar fisicamente a mulher. Não admira que a violência doméstica não seja crime na maior parte destes países. (Inclusivamente, é dado esse direito ao marido de bater na mulher e filhos menores no artigo 53 do Código Penal dos Emirado Árabes Unidos)
Seria de esperar que as mulheres repudiassem esta sociedade e estes valores culturais mas, como descobri, a maior parte aceita a violência como algo natural e justificável. Na apresentação do trabalho, mostrei um gráfico de barras onde estavam representadas por país as percentagens de aceitação da violência doméstica por parte das mulheres (dados retirados das Nações Unidas e UNICEF) e países há onde 90% das mulheres acham razoável os maridos baterem nas mulheres. (Afeganistão e Jordânia por exemplo)
Perguntaram-me nessa apresentação como podiam as mulheres aceitar? A resposta que eu dei foi a seguinte:
Elas aceitam porque desde pequenas foram ensinadas a acreditar e não duvidar de que o que está escrito no seu livro sagrado são palavras divinamente inspiradas e como tal têm de lhes obedecer para que Deus as recompense, se desobedecerem serão castigadas. Ora, se nesse livro está escrito tão explicitamente que os homens lhes podem bater, quem são elas para questionar a autoridade de Deus? Obviamente elas não gostam que lhes batam, mas da mesma maneira que uma criança mal-comportada não põe em causa a autoridade dos pais em lhe dar uma palmada mesmo não gostando, as mulheres não põem em causa o direito dos homens em lhes bater.
Ao longo desse trabalho são abordados vários temas sobre a forma como as mulheres são tratadas nos países islâmicos. são temas que publicarei aqui futuramente e incluem: educação, emprego, questões legais, direitos de propriedade, crimes sexuais, leis sobre violência doméstica, idade para casar, casamentos inter-culturais, mutilação genital feminina, violência e segurança e códigos de vestuário.
Sem comentários:
Enviar um comentário