sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Medicina Alternativa

Hoje vou falar de medicina alternativa e mais concretamente medicina tradicional chinesa e ainda mais especificamente acupunctura. 
Existem muitos tipos e variedades de medicina alternativas, sejam ou não orientais e tradicionais, mas há algo que as une: são uma treta. Não apresentam (nem de perto) estudos científicos rigorosos e revistos que provem as afirmações que fazem. Se estes procedimentos estivessem cientificamente confirmados e testados não se chamariam "alternativos" mas simplesmente "medicina". 

Quem me ouvir a dizer isto poderá afirmar que fez ou conhece quem tenha feito estes tratamentos e que funcionaram, refutando assim (pelo menos na cabeça deles) este meu cepticismo. Pois lamento informar que para a comunidade científica (cuja metodologia eu apoio por me parecer o melhor caminho para a verdade) dados testemunhais não são credíveis ou pelo menos têm um peso reduzido. Em primeiro lugar porque as testemunhas são selectivas: só mencionam o sucesso do seu tratamento mas quando não são produzidos os efeitos esperados esses dados são omitidos e ignorados. 
Além disso, quando se trata de melhorias a partir de medicina alternativas, os resultados podem ser explicados, na esmagadora maioria das vezes, por factores inteiramente naturais. O principal é o efeito placebo. A esmagadora maioria dos estudos feitos sobre este tema afirma que os resultados conseguidos com estas práticas não são melhores que um simples placebo. Isto verifica-se especialmente quando se está a tentar curar um problema do foro psicológico como uma dor, ansiedade ou um vício. Nunca ninguém curou um cancro ou uma pedra nos rins ou uma doença séria com este tipo de tratamentos. 
Existem outras possibilidades de explicação: 
O nosso corpo combate os problemas de forma natural, portanto muitas vezes é atribuído sucesso a um destes métodos quando a doença estava apenas a fazer o seu percurso normal. Se eu estiver constipado, fizer acupunctura e passado uns dias estiver melhor, a culpa não foi da acupunctura.
Há outras maleitas que têm um carácter cíclico. Por exemplo, a artrite, as alergias, problemas gastrointestinais, etc. basta termos a "sorte" de fazer um tratamento na altura certa e ficamos convencidissímos que foi graças a ele que nos sentimos melhor. 
Por vezes é feito um diagnóstico errado do problema que temos, e quando nos curamos mais facilmente do que seria de esperar, atribuímos o sucesso ao tratamento.
Por outro lado, o poder da psicologia no tratamento não pode ser ignorado. Se uma pessoa quiser que o que está a fazer seja verdade, é um passo dado para se sentir melhor. Até pode não estar, mas convence-se a si própria que aquilo está a funcionar.   

É normal pensar-se que, por serem tradicionalmente chineses, estes métodos são os usados sistematicamente na China. Isso está errado. A China possui actualmente hospitais iguais aos que nós temos na Europa e América. Hospitais esses que fazem o mesmo tipo de medicina que nós e que não usam os métodos ancestrais. Estes métodos realizam-se exclusivamente em locais especializados tal como cá. O que é que as pessoas pensam? Que eles usam acupunctura em vez de anestesia antes de uma operação? A biologia do ser humano é igual seja num chinês ou num europeu, portanto o que funciona para nós também funciona para eles e vice-versa. 

Mas vou avançar agora para a análise à acupunctura em si. 
Este tratamento antigo chinês afirma, conforme o "especialista" que o administra, curar dores crónicas, problemas intestinais, lesões musculares, problemas comportamentais como vícios, ansiedade e depressão. 
E como faz isto tudo? Espetando agulhas em pontos específicos do corpo (originalmente eram 365 mas agora já vão em mais de 2000) para reajustar o balanço da "energia vital" ou Chi. Escusado será dizer que a existência desta energia nunca foi provada. Quem achar que esta conversa de Chi e Chakras é real dê um saltinho a uma faculdade de medicina e pergunte aos alunos em que cadeira é que eles aprendem a localizar o Chi. 
Ah! Mas aí está algo curioso, estes métodos não são ensinados nas faculdades de medicina. Então como é que alguém se pode tornar perito? 

Uma vez li uma entrevista de um jovem com uma doença crónica que decidiu dedicar a vida a curar pessoas com estes métodos mais "espirituais" e menos exaustivos para o corpo. Inscreveu-se numa escola de acupunctura para um curso de 3 anos. (Pagava milhares de dólares de "propinas" por ano). O relato que ele fez de uma das suas aulas e da matéria dada é uma coisa extraordinária, apenas ao alcance das mentes mais imaginativas: passavam o dia a aprender "filosofias" como "os rins guardam a essência da vida, porque a água é a base da vida. A estação dos rins é o inverno porque a água geralmente é fria. O medo também é frio por isso é a emoção dos rins. Esta energia contrabalança com o fogo do coração, que é quente como o Verão." E o professor não se esqueceu de mencionar que aquilo saía para o teste! 
Quando o jovem perguntava exactamente como é que aquilo funcionava os professores limitavam-se a dizer que era sabedoria muito antiga e de confiança embora não houvesse muitos estudos modernos sobre o assunto. 
Mas esse jovem queria realmente aprender como funcionava para dedicar a vida a ajudar pessoas, por isso, perante a incapacidade de resposta dos professores, foi sozinho investigar e ler o máximo que pudesse sobre o assunto. Constatou que a larga maioria dos estudos científicos já publicados sobre acupunctura (em revistas de prestigio como a Nature) afirmavam que esta não funcionava ou pelo menos, não era estatisticamente melhor que um placebo. Apenas um pequeno número de estudos publicados em revistas sem revisão cientifica é que o validavam. 
Confrontou os seus professores com o que aprendera e estes defenderam que os artigos que refutavam a acupunctura eram propaganda das corporações farmacêuticas para obterem lucro. Estas teorias da conspiração não foram o que levaram o jovem a desistir da "escola". O que o levou a desistir foi o facto de lhe terem dito que ele estava a pensar demasiado e que devia deixar-se ir na conversa.  

Houve um estudo muito interessante feito por dois cientistas da Universidade de Heidelberg em que criaram umas agulhas falsas mas que simulavam na perfeição o acto de penetrar na pele embora estivessem só coladas. Nenhum dos pacientes em quem foram testadas suspeitou que eram falsas e não sentiram qualquer diferença em relação a uma sessão normal de acupunctura. 

O que me chateia nas medicinas alternativas não é o facto das pessoas as quererem experimentar. Posso até ter compaixão por pessoas desesperadas por uma cura para o seu problema e que vêem nestes métodos uma solução. O que eu acho detestável são quem os administra porque fazem afirmações e promessas sem demonstrar qualquer prova da veracidade do que estão a dizer. Enganam as pessoas. Existem vários casos de pessoas com problemas sérios como cancro que em vez de procurarem tratamento eficaz e credível preferem estes métodos que não fazem nada e acabam por morrer. A quimioterapia pode ser bem mais dolorosa que espetar pequenas agulhas na pele, mas ao menos está a combater a doença! 

Como base para as ideias que citei, podem ver:
http://quackwatch.org/
http://whatstheharm.net/acupuncture.html       
              

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A alma

Na minha publicação anterior sobre as experiências extracorporais, falei sobre a inverosímil ideia de a alma deixar o corpo físico, e depois regressar a ele durante uma experiência à beira da morte. 
Talvez devesse ter começado por publicar primeiro este texto sobre a "alma" que só por si tem muito que se lhe diga. Parece-me óbvio que a alma ou espírito é, não uma ilusão como no caso anterior, mas uma pura invenção. 
Basicamente, o que a maior parte das pessoas entende por "alma", é um espírito imaterial que reside no corpo humano e que ao contrario deste é imortal. Quando uma pessoa morre, é apenas o corpo físico que expira, pois a alma vai, dependendo da crença para o paraíso (céu), purgatório, inferno, ou simplesmente para o mundo dos espíritos.  
Isto é a ideia básica, visto que nunca ninguém consegue concordar numa definição específica e concisa.

Pois bem, a primeira coisa que salta à vista é: como exactamente é que este espírito interage com o corpo? Se é imaterial, então coisas físicas (ou materiais) não podem interagir com ela, no entanto de alguma forma ela interage com o cérebro e vice-versa. A ciência já dissecou o corpo humano até à exaustão mas nunca encontrámos lá nenhuma "alma". (Mas presumo que quem acredite nelas as imagine invisíveis, por isso adiante)

O ponto seguinte é: exactamente que informação é que uma alma contém? A ciência já provou e demonstrou que partes específicas do nosso cérebro são responsáveis pelas emoções, memórias, pensamentos, além obviamente de todo o comando das funções corporais. Há, como se sabe, numerosos casos de pessoas que sofrem danos cerebrais e perdem memórias ou mudam completamente de personalidade. Portanto, podemos assumir que a suposta alma não tem nada desta informação, pois se é imaterial, então certamente não seria afectada por um acidente que danificasse o cérebro. Além disso, se a alma contivesse as nossas memórias, então qual era o propósito de as ter também no cérebro físico? (Talvez fosse só um backup). Então quem tem amnésia ou alzheimer tem um problema no cérebro ou na alma?

Isto já para não dizer que o uso de drogas químicas podem afectar as nossas memórias e emoções, portanto esses químicos estão a modificar as propriedades da alma? E as pessoas que têm dupla personalidade? Têm duas almas dentro do corpo? 

Outro aspecto interessante: há uns tempos tive um "mini-debate" com um americano na secção de comentários de um vídeo no youtube sobre espíritos e casas assombradas. A certa altura questionei-o se os animais tinham alma. Esta é uma pergunta que divide muitas teologias. No antigo testamento, parece não haver diferença entre o espírito dos animais e dos homens, mas isto pode ser resultado de traduções enganosas feitas ao longo dos séculos para se adequar ao modelo teológico vigente. No judaísmo e cristianismo modernos os animais não têm alma. 

Eu questionei-o da seguinte maneira: 
Tendo em conta que o homem é um animal que foi evoluindo ao longo de milhões de anos como todos os outros (assumi que ele não disputava a factualidade da teoria evolutiva de selecção natural. Embora tratando-se de um americano, eu não devesse assumir isso tão levianamente), então a partir de que momento na nossa evolução é que adquirimos a alma? Porque obviamente um australopitecos não deu à luz um homo Sapiens já com alma incluída. Se os antepassados do homem podiam ter alma, então também outros animais poderiam como os actuais macacos e cães. E porquê parar aí? Porquê assumir que só os mamíferos podem ter alma? Que tal os pássaros, os répteis e os insectos? Mas já que estamos nos insectos porque não ir até ás plantas? Não, melhor ainda, porque não consideramos simplesmente que todos os seres vivos têm alma? Afinal, toda a vida na terra pode ser regredida até um antepassado comum.
Mas isso levanta um problema: se considerarmos que todos os seres vivos têm alma, então somos forçados a aceitar que os microorganismos como células e bactérias também a têm. E por acaso, o ser humano é composto por milhões de células. Então o homem não teria uma alma individualizada e sua mas sim milhões de mini-almas das células que o compõem. (como podem ver, quando falamos de almas, a conversa torna-se algo ridícula muito rapidamente). 
Ele respondeu-me que só um cérebro poderoso e com grande capacidade de processamento poderia ter uma alma. 
(Que conveniente escolher uma característica claramente humana como factor diferenciador!) Saltando a parte óbvia de que definir cérebro poderoso é problemático e que capacidade de processamento é demasiado abstracto já que há animais que processam melhor certas informações que o ser humano, (por exemplo, vários estudos já demonstraram que o chimpanzé tem uma memória de curto prazo muito superior à humana), ele caiu numa armadilha óbvia: ao afirmar que a alma só se produz na presença de um cérebro poderoso, está forçosamente a afirmar que pessoas com danos cerebrais ou que nasceram com deficiências e atrasos mentais não têm alma! O mesmo sendo verdade de pessoas em estado vegetativo. 

Confesso que gostava de saber qual teria sido a sua resposta mas depois disto ele parou de me responder. Retire-se daí as conclusões que se queira. 

Portanto, a minha conclusão é: não existe nenhuma alma ou espírito, é simplesmente uma invenção criada pelo ser humano dado o seu medo de pensar que a morte é o fim. Muitos antropólogos já sugeriram que inventámos a alma como tentativa de perceber o que acontece quando morremos. Uma das primeiras observações é a de que o morto já não respira. Não é coincidência que a origem etimológica da palavra alma ou espírito em várias línguas venha de "ar" ou "vento". Pensar que as nossas memórias e personalidade se mantêm intactas após a morte e que podemos rever antigos conhecidos dá-nos conforto para enfrentarmos a trágica realidade da morte, mas obviamente não fazem dessas ideias verdades.                        

sábado, 16 de agosto de 2014

Experiências Extracorporais

Recentemente, numa das muitas visitas que costumo fazer à loja Fnac e em particular à zona de livraria, deparei-me com um tipo de livro que aparentemente está bastante na moda (se bem que já existam há bastante tempo). Na secção "Espiritualidades" (que ironicamente fica mesmo ao lado da secção de "Divulgação Cientifica") há uma série de livros sobre pessoas que estiveram às portas da morte mas sobreviveram e quando voltaram tinham histórias extraordinárias de visões angelicais. Tinham falado com Jesus, familiares já falecidos, Deus, o Diabo, e por vezes o seu espírito até tinha deixado o corpo físico, ao ponto de o poder ver de frente, geralmente deitado numa maca com os médicos à sua volta, e claro nunca esquecendo, a famosa luz ao fundo do túnel. 
Para essas pessoas, estes acontecimentos representam a prova irrefutável de que a vida depois da morte é real, que as figuras religiosas também são reais e este livro é uma tentativa de dar as boas notícias às pessoas que não tiveram a "sorte" de ter experienciado esse acontecimento. 

Ora bem, não estou aqui para afirmar liminarmente que tudo isso é falso e que a vida depois da morte não existe (ninguém pode ter a certeza absoluta, eu pessoalmente não fico convencido nem por um instante) mas apenas para chamar a atenção para alguns problemas que estas histórias apresentam.

Em primeiro lugar o mais óbvio: se uma pessoa tiver uma experiência deste género (como com todas as experiências pessoais) pode estar plenamente justificada em acreditar no que viu, mas obviamente não pode esperar que todas as outras pessoas que nunca tiveram a experiência também acreditem uma vez  que não são apresentadas provas. Se aceitássemos o que todos dizem sem requerer provas, seriamos forçados a acreditar em tudo (já houve quem afirmasse que viajou no cometa Halley por exemplo). No caso concreto destas experiências extracorporais, como geralmente têm um forte teor religioso, mais facilmente as pessoas se "esforçam" por acreditar já que querem que isso seja verdade mas já lá vamos a essa parte. 

Vou agora citar o neurofisiólogo Kevin Nelson, que deu uma entrevista sobre este assunto, e que pode ser lida na edição de Janeiro 2013 da revista "Super Interessante". Vou saltar a parte em que ele fala sobre a fase REM (movimentos oculares rápidos) e fase não-REM enquanto dormimos que afectam os nossos sonhos, pois isso iria complicar e prolongar demasiado este meu texto.

Ele fala de que quando o corpo está à beira da morte, como quando se sofre um enfarte por exemplo, "a tensão arterial diminui de forma radical e, com ela, a irrigação do cérebro, que se sente ameaçado. Uma das suas reacções é activar a fase REM quando o doente está acordado, embora esteja de olhos fechados. Quando isso acontece, desliga-se a área parietotemporal, aquela que permite a orientação no espaço. E este apagão provoca experiências extracorporais.

Dá como exemplo um investigador suíço (chamado Olaf Blanke) que "conseguiu que uma mulher acreditasse estar a flutuar fora do corpo, e que voltava a integrá-lo quando se estimulava essa zona com diminutos eléctrodos. Era como ligar e desligar um interruptor. Trata-se de uma ilusão, mas de uma ilusão extremamente poderosa.

A clássica visão da "luz ao fundo do túnel" também se explica com a falta de oxigénio: "Como o nervo óptico não recebe sangue suficiente, o olho é afectado e perde visão periférica.

Outro caso curioso: não existe um único caso, capaz de resistir ao escrutínio, de pessoas que nasceram cegas e que descrevam pormenores de uma experiência à beira da morte. 

Também há quem afirme que teve as experiências depois de estar clinicamente morto. Será que pode acontecer? Nelson: "Claro que não. As pessoas confundem a morte clínica com uma paragem cardíaca. Contudo, a lesão cerebral só surge 30 minutos depois de uma redução de 90% do fluxo sanguíneo."  

E no que concerne a vida depois da morte, estas experiências confirmam-na?
"Não se pode deduzir que as experiências extracorporais provam que a alma se mantém viva depois da morte. Aqueles que o afirmam estão a utilizar pseudociência para criar falsas esperanças." (e acrescento eu, para escrever um livro e ganhar bom dinheiro)

Finalmente, um questão incontornável: aquilo que alguém vê nas experiências à beira da morte é fruto e directamente influenciado pela própria cultura. 
"Há quem afirme ter tido um encontro com Elvis Presley. Estou certo de que um habitante das florestas da Papua-Nova Guiné vê outro tipo de pessoas.
É perfeitamente natural que um cristão veja Jesus, um muçulmano veja Maomé ou um budista veja Buda. Só poderia haver conclusões a tirar sobre a veracidade destas figuras se alguém que nunca tivesse tido contacto ou conhecimento delas as relatasse. Até porque não podem ser todas verdadeiras. Mas isso nunca aconteceu. 

Portanto, o que será mais plausível: que uma entidade sobrenatural como Jesus ou Deus ou Alá ou Shiva se revele apenas a algumas pessoas, que já acreditavam em si mesmo antes de estarem à beira da morte, ignorando completamente os milhões de pessoas que acreditam noutras coisas, e fá-lo num momento em que a pessoa está com falta de oxigénio no cérebro, o que lhe afecta enormemente a capacidade de percepcionar o mundo e de tal maneira que essa pessoa, sobrevivendo, nunca poderá provar que essa entidade lhe falou até porque outras pessoas dizem ter falado com outras entidades diferentes. Ou simplesmente que o cérebro (o orgão mais poderoso e complexo não só do nosso corpo mas da natureza) duma pessoa à beira da morte lhe provocou uma ilusão por não estar a trabalhar bem?