Hoje decidi fazer uma pausa nas minhas incursões pela bíblia para falar de um tema que diria polémico, embora a maioria das pessoas (pelos menos que eu conheço) estejam do mesmo lado da barricada: o novo acordo ortográfico da língua portuguesa.
Apesar de só em anos recentes (~5) termos começado a ouvir falar deste acordo, a verdade é que ele foi estabelecido em 1990 entre Portugal, Brasil e restantes países lusófonos. Entrou oficialmente em vigor em Maio de 2009, começou a ser adoptado pelo sistema de ensino no ano lectivo 2011/12 e nos organismos oficiais a partir de 1 de Janeiro de 2012. No entanto, até 2015, decorre um período de transição durante o qual se pode ainda utilizar a grafia antiga (basicamente a que resultou da reforma de 1945).
Muitos podem não saber, mas a língua portuguesa e a sua ortografia, sofreu inúmeras reformas ao longo da história.
Durante a idade média, predominou, em Portugal, a ortografia de base fonética, ainda que o mesmo som fosse frequentemente representado de formas diferentes.
A partir do século XVI, registou-se uma clara, embora lenta e confusa, evolução no sentido da construção etimológica das palavras.
Apesar destas alterações, até ao fim do século XIX, como afirma Edite Estrela, "vivia-se numa espécie de Babel ortográfica, onde todos os critérios eram consentidos: sónicos, etimológicos e estéticos. (...) Camões e Castilho adoptaram a escrita fonética. Herculano preferiu a etimológica. (...) Camilo, por exemplo, tanto fazia escrever "sear" como "cear" e Eça raramente acertava com o lugar do h em "rhetórica"."
Logo a seguir à implantação da república, a 1 de Setembro de 1911, é aprovada uma ortografia simplificada da língua portuguesa, que aboliu muitas das duplas consoantes e voltou a privilegiar a pronúncia em prejuízo da etimologia, tal como acontecera ao longo da idade média. No entanto o Brasil, que não fora consultado, não adere à reforma de 1911, ficando os dois países com ortografias diferentes.
Isto levanta alguns problemas no que toca às convenções internacionais. Um dos argumentos de quem é contra o acordo, diz que é um enfraquecimento da língua de Portugal frente ao Brasil. Vale a pena a notar alguns factos a ter em conta:
- os portugueses são cerca de 3,8% dos falantes do português, e os brasileiros 74%.
- São modificadas 1,6% das palavras do português europeu e 0,5% das palavras do português do Brasil.
- De 110 mil palavras estudadas, 575 admitem dupla grafia no português europeu.
Isto são tudo factos, mas passemos aos argumentos propriamente ditos, apresentados pelos defensores e críticos deste acordo.
Argumentos dos defensores:
- As diferenças entre o português de Portugal e Brasil são reduzidas, pelo que não se compreendia a existência de duas formas oficiais de grafia a uma língua comum.
- A dupla grafia tem impedido a internacionalização do português, dificultando o seu uso nas universidades estrangeiras e organismos internacionais em que Portugal e Brasil têm assento.
- Deixará de haver necessidade de duplos textos em documentos oficiais e torna-se possível a adopção pela ONU do português como língua de trabalho.
- Todos os países lusófonos poderão utilizar os mesmos livros e outros materiais nas acções educativas e de formação profissional.
- Dada a simplificação da ortografia, determinada pelo acordo, será mais fácil o ensino.
- A afirmação de que à unificação da escrita se opõem as diferenças vocabulares e de pronuncia entre Portugal e Brasil não faz sentido, porque escrever do mesmo modo não significa falar do mesmo modo.
Argumentos dos críticos:
- É impossível unificar uma língua com base num critério fonético, porque os falantes pronunciarão sempre as palavras de formas diferentes.
- O reconhecimento oficial de grafias duplas e múltiplas contraria o próprio conceito de ortografia.
- Não se seguiu um critério uniforme - privilegiou-se a pronúncia mas não se aboliu o h inicial em vocábulos como homem, humanidade e húmido, por razões alegadamente etimológicas.
- São enormes os custos de substituição de dicionários, gramáticas e livros escolares e literários tornados obsoletos pelo acordo.
- A adopção do acordo visa facilitar a penetração das editoras brasileiras nos países africanos de língua oficial portuguesa.
- Trata-se, diz Vasco Graça Moura, de um diktat neocolonial, em que o mais forte (o Brasil) impõe a sua vontade ao mais fraco (Portugal).
- O acordo conduzirá, a prazo, ao "abrasileiramento" da escrita da vertente portuguesa da língua.
Isto são os argumentos, pelos menos aqueles de que eu tomei conhecimento. Dito isto a minha posição é a seguinte:
Sendo verdade que os defensores apresentam alguns argumentos de peso e muito válidos como o facto do acordo permitir uma maior internacionalização e uso em documentos oficiais, outros dos argumentos parecem-me não se justificar, como é o caso de facilitar o ensino. Na minha opinião isso não poderia nunca ser usado como desculpa para se mudar uma língua. Eu também posso achar que o finlandês é difícil de aprender, mas nunca se mudaria a língua para facilitar a sua aprendizagem.
Por outro lado, alguns dos argumentos dos críticos, como os custos de se mudar os livros e o "abrasileiramento" da língua também não me convencem. Se a nossa língua tivesse problemas, incoerências e inconsistências que fosse necessário corrigir, acho que devíamos avançar para essa correcção mesmo que isso representasse um grande investimento. Quanto à recusa de abrasileiramento, não considero esse ultra-patriotismo relevante, quando uma coisa está mal, corrige-se, independentemente de ficar mais parecido com a nossa versão original ou do país vizinho.
O que me convence e me leva a posicionar-me do lado dos críticos do acordo, é algo que eu valorizo imenso: a consistência de um critério uniforme.
Se o acordo ditasse que iríamos avançar definitivamente para um critério fonético de grafia até podia concordar. Mas este acordo admite duplas grafias, e palavras como as exemplificadas homem, humanidade, húmido mantiveram o h por motivos etimológicos. Esta falta de uniformidade incomoda-me. Se dizemos que vamos adoptar um acordo de base fonética, não podemos depois usar a etimologia como desculpa para manter certas letras em algumas palavras. Eu pessoalmente até prefiro uma escrita de base etimológica, parece-me mais consistente, estética e lógica apesar de poder ser mais difícil de ensinar. Mas estaria disposto a aceitar uma escrita fonética se fosse tudo de facto fonético, não é isso que se verifica.
Portanto, aí está, não concordo com o acordo ortográfico. Não por motivos nacionalistas ou económicos ou históricos, mas pela falta de critério.
"A descoberta consiste em ver o que todos viram e em pensar o que ninguém pensou."
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
sexta-feira, 3 de outubro de 2014
Analisando a Bíblia: Génesis 10 e 11
O décimo capítulo do Génesis é apenas a linha de descendentes de Noé, nada de muito interessante, mas supostamente são destas linhagens que surgem todos os povos do mundo após o dilúvio. Analisar os nomes todos é um tédio, por isso vamos avançar para o capítulo 11, muito mais interessante.
Génesis 11:1 a 11:4 - Nesta altura da história os seres humanos falavam todos a mesma língua e fixaram-se na Mesopotâmia. Decidiram então construir uma cidade com uma torre tão alta que chegasse ao céu pois queriam ficar famosos antes de se dispersarem pelo mundo.
Como é óbvio não houve um dado momento em que os seres humanos falavam todos a mesma língua já que esta foi evoluindo à medida que os povos se iam espalhando pelo mundo. Estima-se por exemplo que o ser humano chegou ao Japão à aproximadamente 50 000 anos, e na mesma altura chegava à Papua Nova Guiné. Obviamente estes homens contemporâneos ou povos não falavam a mesma língua já que a última vez que tinham estado juntos foi numa altura em que o ser humano e a sua capacidade de fala ainda não estava totalmente desenvolvida. Mas também, para os criacionistas o mundo tem apenas cerca de 6000 anos portanto isto não lhes deve interessar muito. Vamos voltar ao contexto da narrativa.
Queriam ficar famosos? A maneira como está escrito é um bocado engraçado, mas pronto tudo bem, é um facto que o homem sempre teve a necessidade de deixar marcas que o fizessem ser recordado e ir-se "da lei da morte libertando" como diria Camões.
Génesis 11:5 a 11:9 - Deus viu a torre que se estava a construir e pensou "Eles são um só povo e falam todos a mesma língua. Agora puseram-se a fazer isto e depois ninguém mais os poderá impedir de fazerem aquilo que projectam fazer. Vou lá abaixo confundir as suas línguas, de modo que eles não se entendam uns ao outros." (transcrição integral da bíblia)
Há muito a dizer sobre este pensamento de Deus. Obviamente, esta história foi a explicação que os antigos inventaram para o facto de haver várias línguas no mundo em vez de simplesmente todos falarem igual. Claro que para quem percebe o mínimo de linguística isto não faz qualquer sentido. As línguas evoluíram, um pouco à semelhança dos seres vivos, a partir de línguas mais antigas à medida que as populações se iam isolando e separando umas das outras. Cada grupo dava à língua o seu cunho pessoal até que se tornava uma língua diferente. É por isso que o português, espanhol, francês e italiano derivam todas do latim e são semelhantes entre si, pelo menos quando comparadas com uma língua anglo-saxónica como o alemão por exemplo.
Mas voltando à história, temos um grupo de pessoas que trabalham juntas para atingir um objectivo, e Deus não deixa? Ele impede-as porque senão conseguiriam fazer tudo o que projectassem! E isso é mau porque? Deus não devia querer que a humanidade se unisse e trabalha-se sob uma só voz? Aparentemente não, ele prefere dividi-los e causar diferenças culturais que ao longo da história levarão a guerras e confrontos que poderiam talvez ser evitados se os envolvidos se entendessem. Deus parece que tem medo que eles construam a torre como se isso representasse uma ameaça ao seu poder e autoridade. Não se entende porquê já que ele supostamente é o senhor do universo, qual é o mal de uns humanozitos construírem uma torre? É que na história eles tencionavam fazer a torre chegar ao céu, que é onde se julgava que Deus habitava (ele inclusive diz "vou lá abaixo", o que é estranho vindo de um ser supostamente omnipresente) e ele não deve gostar muito de visitas. Deve ter odiado quando o homem saiu da atmosfera terrestre para ir à lua.
Génesis 11:1 a 11:4 - Nesta altura da história os seres humanos falavam todos a mesma língua e fixaram-se na Mesopotâmia. Decidiram então construir uma cidade com uma torre tão alta que chegasse ao céu pois queriam ficar famosos antes de se dispersarem pelo mundo.
Como é óbvio não houve um dado momento em que os seres humanos falavam todos a mesma língua já que esta foi evoluindo à medida que os povos se iam espalhando pelo mundo. Estima-se por exemplo que o ser humano chegou ao Japão à aproximadamente 50 000 anos, e na mesma altura chegava à Papua Nova Guiné. Obviamente estes homens contemporâneos ou povos não falavam a mesma língua já que a última vez que tinham estado juntos foi numa altura em que o ser humano e a sua capacidade de fala ainda não estava totalmente desenvolvida. Mas também, para os criacionistas o mundo tem apenas cerca de 6000 anos portanto isto não lhes deve interessar muito. Vamos voltar ao contexto da narrativa.
Queriam ficar famosos? A maneira como está escrito é um bocado engraçado, mas pronto tudo bem, é um facto que o homem sempre teve a necessidade de deixar marcas que o fizessem ser recordado e ir-se "da lei da morte libertando" como diria Camões.
Génesis 11:5 a 11:9 - Deus viu a torre que se estava a construir e pensou "Eles são um só povo e falam todos a mesma língua. Agora puseram-se a fazer isto e depois ninguém mais os poderá impedir de fazerem aquilo que projectam fazer. Vou lá abaixo confundir as suas línguas, de modo que eles não se entendam uns ao outros." (transcrição integral da bíblia)
Há muito a dizer sobre este pensamento de Deus. Obviamente, esta história foi a explicação que os antigos inventaram para o facto de haver várias línguas no mundo em vez de simplesmente todos falarem igual. Claro que para quem percebe o mínimo de linguística isto não faz qualquer sentido. As línguas evoluíram, um pouco à semelhança dos seres vivos, a partir de línguas mais antigas à medida que as populações se iam isolando e separando umas das outras. Cada grupo dava à língua o seu cunho pessoal até que se tornava uma língua diferente. É por isso que o português, espanhol, francês e italiano derivam todas do latim e são semelhantes entre si, pelo menos quando comparadas com uma língua anglo-saxónica como o alemão por exemplo.
Mas voltando à história, temos um grupo de pessoas que trabalham juntas para atingir um objectivo, e Deus não deixa? Ele impede-as porque senão conseguiriam fazer tudo o que projectassem! E isso é mau porque? Deus não devia querer que a humanidade se unisse e trabalha-se sob uma só voz? Aparentemente não, ele prefere dividi-los e causar diferenças culturais que ao longo da história levarão a guerras e confrontos que poderiam talvez ser evitados se os envolvidos se entendessem. Deus parece que tem medo que eles construam a torre como se isso representasse uma ameaça ao seu poder e autoridade. Não se entende porquê já que ele supostamente é o senhor do universo, qual é o mal de uns humanozitos construírem uma torre? É que na história eles tencionavam fazer a torre chegar ao céu, que é onde se julgava que Deus habitava (ele inclusive diz "vou lá abaixo", o que é estranho vindo de um ser supostamente omnipresente) e ele não deve gostar muito de visitas. Deve ter odiado quando o homem saiu da atmosfera terrestre para ir à lua.
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