sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O Novo Acordo Ortográfico

Hoje decidi fazer uma pausa nas minhas incursões pela bíblia para falar de um tema que diria polémico, embora a maioria das pessoas (pelos menos que eu conheço) estejam do mesmo lado da barricada: o novo acordo ortográfico da língua portuguesa. 

Apesar de só em anos recentes (~5) termos começado a ouvir falar deste acordo, a verdade é que ele foi estabelecido em 1990 entre Portugal, Brasil e restantes países lusófonos. Entrou oficialmente em vigor em Maio de 2009, começou a ser adoptado pelo sistema de ensino no ano lectivo 2011/12 e nos organismos oficiais a partir de 1 de Janeiro de 2012. No entanto, até 2015, decorre um período de transição durante o qual se pode ainda utilizar a grafia antiga (basicamente a que resultou da reforma de 1945). 

Muitos podem não saber, mas a língua portuguesa e a sua ortografia, sofreu inúmeras reformas ao longo da história. 
Durante a idade média, predominou, em Portugal, a ortografia de base fonética, ainda que o mesmo som fosse frequentemente representado de formas diferentes. 
A partir do século XVI, registou-se uma clara, embora lenta e confusa, evolução no sentido da construção etimológica das palavras. 
Apesar destas alterações, até ao fim do século XIX, como afirma Edite Estrela, "vivia-se numa espécie de Babel ortográfica, onde todos os critérios eram consentidos: sónicos, etimológicos e estéticos. (...) Camões e Castilho adoptaram a escrita fonética. Herculano preferiu a etimológica. (...) Camilo, por exemplo, tanto fazia escrever "sear" como "cear" e Eça raramente acertava com o lugar do h em "rhetórica"." 
Logo a seguir à implantação da república, a 1 de Setembro de 1911, é aprovada uma ortografia simplificada da língua portuguesa, que aboliu muitas das duplas consoantes e voltou a privilegiar a pronúncia em prejuízo da etimologia, tal como acontecera ao longo da idade média. No entanto o Brasil, que não fora consultado, não adere à reforma de 1911, ficando os dois países com ortografias diferentes. 

Isto levanta alguns problemas no que toca às convenções internacionais. Um dos argumentos de quem é contra o acordo, diz que é um enfraquecimento da língua de Portugal frente ao Brasil. Vale a pena a notar alguns factos a ter em conta:
- os portugueses são cerca de 3,8% dos falantes do português, e os brasileiros 74%. 
- São modificadas 1,6% das palavras do português europeu e 0,5% das palavras do português do Brasil.
- De 110 mil palavras estudadas, 575 admitem dupla grafia no português europeu. 

Isto são tudo factos, mas passemos aos argumentos propriamente ditos, apresentados pelos defensores e críticos deste acordo.

Argumentos dos defensores:
- As diferenças entre o português de Portugal e Brasil são reduzidas, pelo que não se compreendia a existência de duas formas oficiais de grafia a uma língua comum. 
- A dupla grafia tem impedido a internacionalização do português, dificultando o seu uso nas universidades estrangeiras e organismos internacionais em que Portugal e Brasil têm assento. 
- Deixará de haver necessidade de duplos textos em documentos oficiais e torna-se possível a adopção pela ONU do português como língua de trabalho. 
- Todos os países lusófonos poderão utilizar os mesmos livros e outros materiais nas acções educativas e de formação profissional. 
- Dada a simplificação da ortografia, determinada pelo acordo, será mais fácil o ensino.
- A afirmação de que à unificação da escrita se opõem as diferenças vocabulares e de pronuncia entre Portugal e Brasil não faz sentido, porque escrever do mesmo modo não significa falar do mesmo modo. 

Argumentos dos críticos:
- É impossível unificar uma língua com base num critério fonético, porque os falantes pronunciarão sempre as palavras de formas diferentes.
- O reconhecimento oficial de grafias duplas e múltiplas contraria o próprio conceito de ortografia. 
- Não se seguiu um critério uniforme - privilegiou-se a pronúncia mas não se aboliu o h inicial em vocábulos como homem, humanidade e húmido, por razões alegadamente etimológicas.
- São enormes os custos de substituição de dicionários, gramáticas e livros escolares e literários tornados obsoletos pelo acordo.
- A adopção do acordo visa facilitar a penetração das editoras brasileiras nos países africanos de língua oficial portuguesa. 
- Trata-se, diz Vasco Graça Moura, de um diktat neocolonial, em que o mais forte (o Brasil) impõe a sua vontade ao mais fraco (Portugal).
- O acordo conduzirá, a prazo, ao "abrasileiramento" da escrita da vertente portuguesa da língua.

Isto são os argumentos, pelos menos aqueles de que eu tomei conhecimento. Dito isto a minha posição é a seguinte: 
Sendo verdade que os defensores apresentam alguns argumentos de peso e muito válidos como o facto do acordo permitir uma maior internacionalização e uso em documentos oficiais, outros dos argumentos parecem-me não se justificar, como é o caso de facilitar o ensino. Na minha opinião isso não poderia nunca ser usado como desculpa para se mudar uma língua. Eu também posso achar que o finlandês é difícil de aprender, mas nunca se mudaria a língua para facilitar a sua aprendizagem.
Por outro lado, alguns dos argumentos dos críticos, como os custos de se mudar os livros e o "abrasileiramento" da língua também não me convencem. Se a nossa língua tivesse problemas, incoerências e inconsistências que fosse necessário corrigir, acho que devíamos avançar para essa correcção mesmo que isso representasse um grande investimento. Quanto à recusa de abrasileiramento, não considero esse ultra-patriotismo relevante, quando uma coisa está mal, corrige-se, independentemente de ficar mais parecido com a nossa versão original ou do país vizinho. 
O que me convence e me leva a posicionar-me do lado dos críticos do acordo, é algo que eu valorizo imenso: a consistência de um critério uniforme. 
Se o acordo ditasse que iríamos avançar definitivamente para um critério fonético de grafia até podia concordar. Mas este acordo admite duplas grafias, e palavras como as exemplificadas homem, humanidade, húmido mantiveram o h por motivos etimológicos. Esta falta de uniformidade incomoda-me. Se dizemos que vamos adoptar um acordo de base fonética, não podemos depois usar a etimologia como desculpa para manter certas letras em algumas palavras. Eu pessoalmente até prefiro uma escrita de base etimológica, parece-me mais consistente, estética e lógica apesar de poder ser mais difícil de ensinar. Mas estaria disposto a aceitar uma escrita fonética se fosse tudo de facto fonético, não é isso que se verifica.
Portanto, aí está, não concordo com o acordo ortográfico. Não por motivos nacionalistas ou económicos ou históricos, mas pela falta de critério.

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