terça-feira, 5 de maio de 2015

Ironias

Recentemente li uma notícia que, não tendo graça nenhuma, ficaria perfeita na secção "Mundo Louco" do Correio da Manhã, de tão caricata que é. 

Aconteceu em Inglaterra, numa qualquer prisão, dois homens, de 40 e 31 anos, estavam detidos por homicídio homofóbico. Ou seja, mataram alguém simplesmente porque eram homossexuais. Não sei o que pretendiam alcançar com esse estupidamente lamentável crime, mas isso agora também não interessa muito. Ah e já agora, eles não se conheciam, simplesmente foram condenados por um crime semelhante. (Não sei ao certo os contornos dos crimes mas o facto de terem recebido 20 e 18 anos respectivamente de cadeia indiciam que foram actos premeditados.)

Acontece que a dada altura os dois reclusos conhecem-se, curiosamente na biblioteca da prisão. Quem sabe se não estariam a procurar algum livro que apresentasse razões culturais para a homossexualidade, já que para estes homofóbicos, a homossexualidade é um desvio curável? Ora, depois de se conhecerem tornaram-se amigos, e perante a semelhança da sua forma de pensar, tanto encontraram em comum entre si, que reconheceram um no outro uma alma gémea. E agora decidiram...casar-se! 

Que ironia! O que tanto criticavam nos outros morava dentro de si, não compreendiam até compreenderem. 

Acho que seria interessante ouvir um comentário a esta notícia por parte do advogado californiano Matt McLaughlin.
Para quem não conhece este senhor, diga-se apenas que propôs recentemente uma lei (que terá ainda de passar por uma série de filtros, e se o fizer irá a referendo nas próximas eleições) para abater com uma bala na testa todos os homossexuais. E porquê? Para impedir que a fúria divina caia sobre a humanidade! (É um facto que a Bíblia ordena a morte de homossexuais, mas isso fica para outro post)  

Ora, com certeza que para McLaughlin os dois assassinos seriam homens iluminados por Deus, que foram presos no cumprimento de uma missão nobre.
Isto é o que ele diria antes de saber que eles eram também homossexuais. Que diria depois? Fico curioso.    

sábado, 18 de abril de 2015

Fé ou Actos?

Duas citações do "Auto da Barca do Inferno" de Gil Vicente:

O frade para o Diabo:
"Corpo de Deus consagrado! Pela fé de Jesus Cristo, que eu não posso entender isto! Eu hei-de ser condenado? Um padre tão namorado? E tanto dado à virtude?! Assim Deus me dê saúde, que estou maravilhado!" 

O Anjo para os quatro cavaleiros:
"Ó cavaleiros de Deus, a vós estou esperando, que morrestes pelejando por Cristo, senhor dos céus! Sois livres de todo o mal, santos, por certo, sem falha: que quem morre em tal batalha, merece paz eternal." 

Destas citações podemos retirar duas ideias sobre um debate que divide muitos católicos e protestantes: qual o caminho para o paraíso? Basta ter fé em Jesus Cristo ou são os bons actos que interessam? 
Se for apenas a fé em Cristo, então existem milhões de pessoas bem intencionadas e benévolas que estão destinadas ao inferno, mesmo que nunca tenham feito nada particularmente maldoso. 
Se o que interessa são os actos, então basta ser uma pessoa justa e benévola que pratica o bem, por exemplo caridade, sem que seja necessário preocupar-se com Cristo ou até qualquer religião. 

Se olharmos para a Bíblia, as duas interpretações são possíveis. Por exemplo, Martinho Lutero, destacou a Carta aos Gálatas:
"Sabemos (porém) que uma pessoa não é justificada pelo cumprimento da Lei mas por meio da em Jesus Cristo. Ora nós cremos em Jesus Cristo para sermos justificados pela fé e não por termos feito o que a lei manda. Pois ninguém será justificado perante Deus por cumprir a lei." (2:16)

Segundo a Carta a Tiago, são necessárias as duas coisas, actos e fé:
"Vejam, portanto, que é pelas obras que cada um é justificado e não somente pela fé." (2:24) 

Mas também há fontes que afirmam que o que interessa são os actos:
"Ele (Deus) dará a cada um conforme as suas obras." (Carta aos Romanos 2:6)

"Pois todos nós temos de comparecer diante do tribunal de Cristo, para cada um receber segundo aquilo que fez de bem ou de mal, enquanto vivia aqui na terra." (Segunda Carta aos Coríntios 5:10) 

Como ateu, esta questão é interessante mas trata-se apenas de debater contos de fadas pois nem sequer existe o inferno do qual nos temos de salvar, mas para quem leva isto a sério, tem de notar que seja qual for a ideia que defenda, a justiça de Deus será, no mínimo, questionável.

Alguém que tenha cometido actos atrozes (assassinato, violação, roubo, etc.) possa ainda ter salvação, parece incompatível com a ideia de um Deus justo, e até refuta o argumento de que os nossos actos serão julgados nesta ou na outra vida.   
Mas por outro lado, não podem dizer que existe uma linha para lá da qual uma pessoa já não tem salvação possível pois negaria a infinita misericórdia que Deus supostamente tem. Cristo ensinou que qualquer pessoa, independentemente dos actos malvados que tenha praticado, ainda se pode arrepender.   

A meu ver, todo este problema, deriva do facto de um Deus que ameaça com o inferno ou o paraíso baseado na aceitação de um dogma basicamente não tem uma relação saudável com a humanidade. As ameaças e incentivos apenas reúnem pessoas que vivem ou com medo ou que querem a recompensa. Uma relação superior e saudável basear-se-ia no respeito e não na força. 

domingo, 11 de janeiro de 2015

Extremismo Islâmico

Eu era para publicar um texto sobre um livro que li, mas os atentados de Paris, que demonstraram mais uma vez os níveis selvagens a que o fanatismo religioso chega, obrigam-me a precipitar este texto que também já tinha na calha.  

Em muitos dos debates religiosos, quer estrangeiros quer portugueses, a que costumo assistir em que está presente um defensor da religião Islâmica (e agora têm havido muitos devido ao Estado Islâmico e, mais recentemente, por causa dos atentados de Paris), um dos argumentos "de algibeira" destes apologistas é dizer que a maioria dos muçulmanos são pessoas pacíficas, e como tal, não devíamos tratar os extremistas como verdadeiros muçulmanos pois isso passa uma imagem negativa e falsa do que é o Islão. 

Pois bem, uma vez que o Islão tem diversas interpretações e escolas, não parece que haja alguém com o direito de definir o que é ou não o verdadeiro Islão. Eu tenho a minha opinião, mas se uma pessoa decide proclamar-se muçulmana, quem sou eu para dizer que ela não o é. Eu prefiro analisar a questão por números.

Estima-se que existam actualmente cerca de 1800 milhões de muçulmanos no mundo, o que corresponde a cerca de 1/4 da população mundial. A maioria destes é, de facto e indubitavelmente, pacífica. Estima-se que os radicais islâmicos sejam entre 15 a 25% do total, pelo que na pior das hipóteses, 75% dos muçulmanos são pessoas pacíficas. 
O problema é que 15 a 25% quer dizer 270 a 450 milhões de pessoas empenhadas em destruir a civilização ocidental. São mais que a população dos EUA. Porque devemos preocupar-nos com os radicais? Porque são estes que matam, decapitam, explodem, etc. 

Quando olhamos para a história da humanidade, a maioria dos alemães era pacífica, mas os Nazis mataram milhões, a maioria pacífica foi irrelevante.
A maioria dos russos eram pacíficos, mas as tropas do Estaline mataram milhões, a maioria pacífica foi irrelevante. A maioria dos chineses eram pacíficos, mas as tropas de Mao Tse-Tung mataram milhões, a maioria pacífica foi irrelevante. 
No dia 11 de Setembro de 2001 viviam 2,3 milhões de muçulmanos nos EUA. Foram necessários apenas 19 radicais para destruir as Torres Gémeas, atacar o Pentágono, matar quase 3000 pessoas de uma só vez e deixar a América de joelhos. A maioria pacífica foi irrelevante! 

Se as maiorias pacificas são irrelevantes na hora de combater os extremistas e impedir os massacres, então também são irrelevantes nos debates. 

A minha intenção não é denegrir os muçulmanos, até porque todas as religiões têm crimes no cadastro. Eu sou ateu por definição, mas cada vez que acontece uma destas situações me sinto mais anti-teísta. Porquê? Porque actualmente a religião só tem desvantagens. 

Ainda ouvi pessoas a dizer que o jornal Charlie Hebdo estava a "brincar com o fogo" pois já se sabe que existem fanáticos. Essa perspectiva enoja-me. Pior que o ataque à liberdade de expressão é a censura mental de não termos coragem de publicar o que queremos ou ter medo de dizer o que pensamos. Não quero saber de religião é, ou de onde vem, ninguém tem o direito de matar por se sentir ofendido por uns desenhos, e se o fizer a culpa é só e exclusivamente sua, não das vítimas.