sábado, 18 de abril de 2015

Fé ou Actos?

Duas citações do "Auto da Barca do Inferno" de Gil Vicente:

O frade para o Diabo:
"Corpo de Deus consagrado! Pela fé de Jesus Cristo, que eu não posso entender isto! Eu hei-de ser condenado? Um padre tão namorado? E tanto dado à virtude?! Assim Deus me dê saúde, que estou maravilhado!" 

O Anjo para os quatro cavaleiros:
"Ó cavaleiros de Deus, a vós estou esperando, que morrestes pelejando por Cristo, senhor dos céus! Sois livres de todo o mal, santos, por certo, sem falha: que quem morre em tal batalha, merece paz eternal." 

Destas citações podemos retirar duas ideias sobre um debate que divide muitos católicos e protestantes: qual o caminho para o paraíso? Basta ter fé em Jesus Cristo ou são os bons actos que interessam? 
Se for apenas a fé em Cristo, então existem milhões de pessoas bem intencionadas e benévolas que estão destinadas ao inferno, mesmo que nunca tenham feito nada particularmente maldoso. 
Se o que interessa são os actos, então basta ser uma pessoa justa e benévola que pratica o bem, por exemplo caridade, sem que seja necessário preocupar-se com Cristo ou até qualquer religião. 

Se olharmos para a Bíblia, as duas interpretações são possíveis. Por exemplo, Martinho Lutero, destacou a Carta aos Gálatas:
"Sabemos (porém) que uma pessoa não é justificada pelo cumprimento da Lei mas por meio da em Jesus Cristo. Ora nós cremos em Jesus Cristo para sermos justificados pela fé e não por termos feito o que a lei manda. Pois ninguém será justificado perante Deus por cumprir a lei." (2:16)

Segundo a Carta a Tiago, são necessárias as duas coisas, actos e fé:
"Vejam, portanto, que é pelas obras que cada um é justificado e não somente pela fé." (2:24) 

Mas também há fontes que afirmam que o que interessa são os actos:
"Ele (Deus) dará a cada um conforme as suas obras." (Carta aos Romanos 2:6)

"Pois todos nós temos de comparecer diante do tribunal de Cristo, para cada um receber segundo aquilo que fez de bem ou de mal, enquanto vivia aqui na terra." (Segunda Carta aos Coríntios 5:10) 

Como ateu, esta questão é interessante mas trata-se apenas de debater contos de fadas pois nem sequer existe o inferno do qual nos temos de salvar, mas para quem leva isto a sério, tem de notar que seja qual for a ideia que defenda, a justiça de Deus será, no mínimo, questionável.

Alguém que tenha cometido actos atrozes (assassinato, violação, roubo, etc.) possa ainda ter salvação, parece incompatível com a ideia de um Deus justo, e até refuta o argumento de que os nossos actos serão julgados nesta ou na outra vida.   
Mas por outro lado, não podem dizer que existe uma linha para lá da qual uma pessoa já não tem salvação possível pois negaria a infinita misericórdia que Deus supostamente tem. Cristo ensinou que qualquer pessoa, independentemente dos actos malvados que tenha praticado, ainda se pode arrepender.   

A meu ver, todo este problema, deriva do facto de um Deus que ameaça com o inferno ou o paraíso baseado na aceitação de um dogma basicamente não tem uma relação saudável com a humanidade. As ameaças e incentivos apenas reúnem pessoas que vivem ou com medo ou que querem a recompensa. Uma relação superior e saudável basear-se-ia no respeito e não na força. 

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