Recentemente, estava a passar em revista alguns livros da minha prateleira e ao cruzar-me com a bíblia, dei uma vista de olhos nas primeiras páginas.
Este meu exemplar, designada "a Bíblia para todos" foi editado em 2010 pela Loja da Bíblia Editorial (LBE) e a tradução foi realizada pela Sociedade Bíblica de Portugal. Recebeu também o selo de aprovação da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e desde 1972 (ano do inicio da sua tradução, chegou finalmente ao público em 1993) já foi revista várias vezes. Numa das primeiras páginas o presidente da referida CEP, Dom Jorge Ferreira da Costa Ortiga, afirma "Que através desta tradução (...) possamos todos entender melhor a mensagem de Deus (...)".
Pois bem, perante uma edição tão bem referenciada, não terei de temer que esteja a representar mal o que os crentes defendem ao citar esta obra como fonte. Certo?
É que, felizmente, esta edição tem notas introdutórias antes de cada livro e uma extensa introdução à própria bíblia que, confesso, nunca tinha lido. Quando a adquiri, passei imediatamente ao texto propriamente dito. Assim, pareceu-me que o mais correcto seria ler a introdução prévia, não fosse esta mudar a minha percepção da forma como os crentes interpretam o seu livro sagrado.
Na introdução geral pode ler-se: "Da primeira à última página da Bíblia o leitor encontra Deus a agir pela palavra e a comunicar com o ser humano. Daí que os crentes sintam a necessidade de ler a Bíblia (e acrescento eu, é pena que muitos não o façam) e de transmitir a sua mensagem aos outros. Os cristãos consideram a Bíblia um conjunto de escritos inspirados, isto é, escritos sob a influência de especial desígnio e assistência de Deus."
Portanto, acho que não estarei a cometer um acto precipitado se daqui concluir apenas isto: os crentes acreditam que o que está contido na Bíblia é a mensagem de Deus. Até aqui tudo bem, certo?
Na página seguinte está escrito: "A Bíblia não surgiu repentinamente. É um conjunto de escritos cuja composição e aparecimento se situam ao longo de um milénio, numa determinada região, a Palestina, e países vizinhos."
Não é estranho que Deus, o criador do universo, da Terra e de todos os seus habitantes só tenha decidido transmitir a sua mensagem numa área tão restrita do planeta, quando os seres humanos, que presumivelmente só teriam a ganhar com essa mensagem, já se tinham disseminado por todo o mundo? Não me parece muito lógico, mas ainda não se pode dizer que é incompatível, por isso vamos continuar.
Mais umas páginas à frente, na introdução ao antigo testamento, lê-se: "O texto do antigo testamento tem uma longa história com muitos aspectos ainda ignorados. Não dispomos de nenhum texto original; temos apenas manuscritos com cópias completas ou parciais. O manuscrito hebraico mais antigo é do principio do século XI d. C. (...) Os massoretas, para facilitar a sua leitura, acrescentaram ao texo vários sinais (...) Assim, fixaram definitivamente a forma e a interpretação do texto. (...) Antes dos massoretas, o texto hebraico tinha sido objecto de uma revisão de um grupo de rabinos. Constando que existiam diferenças entre os manuscritos de então, os rabinos decidiram estabelecer um texto oficial e mandaram destruir os exemplares não conformes ao texto estabelecido. (...) A partir de 1947 foram (...) descobertos alguns textos muito antigos. (...) Com a ajuda destes testemunhos pode-se propor eventuais correcções para algumas passagens que, no texto hebraico, poderiam ter sido incorrectamente transmitidas."
Se isto é a história da Bíblia contada pelos crentes, imaginem o que pode pensar um ateu como eu ?! Deus é muito pouco inteligente! Se ele tem realmente uma mensagem que quer transmitir à humanidade, quer me parecer que fazê-lo através de textos que já foram escritos e rescritos, interpretados e alterados ao longo de séculos por autores anónimos sem que tenham sobrevivido originais será das maneiras menos eficazes que consigo imaginar. Um Deus inteligente aperceber-se-ia disto, e com certeza com todo o seu poder poderia facilmente transmitir a sua mensagem de uma forma clara, de maneira que ninguém tivesse a mínima dúvida. Mas nem os seus autores, supostamente divinamente inspirados, conseguem concordar entre si qual é a verdadeira mensagem de Deus.
Há várias interpretações que se podem fazer deste facto: ou Deus não sabe o que está a fazer, ou sabe mas gosta de ver os humanos a debater-se durante milénios, ou está-se maribando para nós, ou, a mais simples de todas e que responde na perfeição à questão, não existe.
Sem comentários:
Enviar um comentário