Recentemente fui interpelado por duas testemunhas de Jeová a caminho de casa. À minha aproximação, a porta-voz abeirou-se e afirmou, quase de forma acusatória, "sabia que a evolução é uma invenção dos cientistas? É só uma teoria!" Naquele dia em particular optei simplesmente por dizer que não concordava mas estava demasiado ocupado para ficar ali a falar. Ainda assim, fiquei a pensar o ilógico que é aquela abordagem para tentar converter alguém e que só demonstra que estas pessoas não tiveram formação sobre o assunto, mas simplesmente doutrinação.
Quando religiosos aplicam a palavra "teoria" ao conceito de evolução, estão a fazê-lo referindo-se ao uso corrente da palavra, quase como sinónimo de opinião. O seu objectivo é claro: dar a entender que a teoria da evolução natural é apenas uma opinião dos cientistas, e assim, subjectiva e abdicável.
Esta táctica é muitas vezes usada de forma premeditada, mas pode também surgir de uma ignorância genuína.
Em ciência "teoria" não designa uma mera opinião. Embora, diga-se que se fosse, preferiria acreditar na opinião de alguém com experiência na área que dedica a sua vida a estudar o assunto do que em alguém que se limita a obter toda a "sabedoria" de um livro escrito há mais de mil anos por autores anónimos do médio oriente.
No conceito científico, uma teoria é um modelo que procura explicar os factos observados*. Neste caso, o facto observado é a evolução. Sabemos que ela ocorre porque podemos observá-la. É a pedra basilar de toda a biologia. A medicina e a industria farmacêutica não funcionariam sem ela. Porque temos constantemente de criar novas vacinas para a gripe? Porque o vírus evolui, caso contrário bastaria uma. Muitas vezes, quando confrontados com esta evidência, os religiosos evocam a micro e macro evolução. Para eles, as mutações de vírus são micro evolução, e não a negam, e a transição entre espécies que não se consegue observar pelo facto óbvio de levar milhares ou milhões de anos, é macro evolução, que negam. Estes são dois termos inventados pelos religiosos que não são tidos em conta pelos biólogos, por um motivo muito simples: são a mesma coisa. O processo físico-químico que leva um vírus a mudar a sua constituição e o processo que leva um dinossauro a tornar-se uma galinha é o mesmo, a única diferença é a escala temporal. Seria como dizer que se acredita que o nascimento do primeiro dente de um bebé constitui um micro envelhecimento e negar o macro envelhecimento de que aquele bebé será um dia um adulto.
Portanto, a evolução é um facto, tão demonstrável como a Terra girar em torno do Sol (que curiosamente a igreja também negou durante muito tempo como se sabe). A teoria a que nos referimos é a que procura explicar como a evolução ocorre. A resposta é a selecção natural, apresentada por Darwin na obra "A Origem das Espécies" em 1859. Não se trata de uma opinião, nem de um dogma inquestionável, é simplesmente o modelo que melhor se adequa e explica o fenómeno observado. Desde Darwin, a teoria foi testada incontáveis vezes, melhorada, e revista; e ao longo de 150 anos, resistiu ao escrutínio, não porque quem a defende tenha interesses ou doutrinas que queira propagar, mas porque a teoria se mostrou adequada. Não quer isto dizer que não possa algum dia vir a ser desmentida ou alterada, mas para já representa a melhor forma que temos de entender o fenómeno da evolução.
Aqui reside a principal diferença entre a ciência e a religião: a ciência admite sempre que pode estar errada, bastando para isso que surjam provas, a religião pensa já ter as respostas e que não pode estar errada, com ou sem provas. (Este contraste ficou imortalizado no debate entre Bill Nye e Ken Ham)
O facto dos religiosos atacarem uma teoria cientifica denota bem a sua escassez de argumentos a favor da sua doutrina: mesmo que fosse provado hoje mesmo que a evolução não ocorre e que a ciência está toda errada, isso não levaria uma pessoa racional e intelectualmente honesta, a aproximar-se da crença em Deus nem um milímetro. Porque uma não implica a outra. Não implica um criador sobre-natural, e muito menos um Deus pessoal como o da Bíblia.
É compreensível a razão dos religiosos se preocuparem tanto com a evolução. Ela consegue, por si só, refutar todo o cristianismo. Isto porque na base do mesmo, está a ideia de Deus ter criado Adão e Eva, estes terem pecado, e Jesus ter morrido na cruz para pagar por esses pecados. Se se aceitar a evolução, o ser humano evoluiu de espécies anteriores ao longo de milhões de anos, logo, não houve Adão e Eva, logo não houve pecado original, logo Jesus é desnecessário ou irrelevante.
*Nota: "Em linguagem comum, muitas vezes o termo «teoria» significa hipótese. Cientificamente, o termo «teoria» é específico e utiliza-se para designar o processo de construção de estruturas conceptuais formais em ciência. Assim, as teorias são estruturas compostas por leis e pelas regras segundo as quais essas leis se juntam." (C. Coelho Ferreira & N. Neves Simões. A Evolução do Pensamento Geográfico (1986). Gradiva p.18)