Excerto de O Fim da Fé de Sam Harris a propósito da questão do aborto (pp.196-197):
"(...) é difícil delimitar as fronteiras da nossa preocupação moral com base em princípios. É evidente, por exemplo, que a susceptibilidade à dor não pode ser o nosso único critério. Como observa Richard Rorty, "se a dor fosse a única coisa importante, seria tão importante proteger os coelhos das raposas como os judeus dos nazis". O que é que nos levou a pensar que não precisamos de interceder pelos coelhos? A maioria de nós desconfia que os coelhos não são capazes de sentir felicidade ou sofrimento numa escala humana. (...) Incidentalmente, surge aqui dissimulada uma resposta racional ao debate sobre o aborto. Muitos de nós consideram os fetos humanos no primeiro trimestre mais ou menos como coelhos, uma vez que lhes atribuímos um grau de felicidade e de sofrimento que não lhes confere um estatuto pleno no seio da nossa comunidade moral. Isto parece ser hoje algo de razoável. (...)
Não podemos limitar-nos a dizer, por exemplo, que todos os seres humanos estão incluídos e os animais não. Qual será o nosso critério de humanidade? O ADN? Poderá um único ser humano prevalecer sobre uma manada de elefantes? O Problema é que qualquer atributo que utilizemos para diferenciar os seres humanos dos animais - inteligência, uso da linguagem, sentimentos morais e por aí fora - acabará por diferenciar também os próprios seres humanos. Se as pessoas são mais importantes para nós do que os orangotangos, só porque sabem articular os seus interesses, então, por que é que as pessoas mais articuladas não são necessariamente as mais importantes? E que dizer desses pobres homens e mulheres que padecem de afasia? Dir-se-ia que teríamos de os excluir da nossa comunidade moral."
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