sexta-feira, 23 de maio de 2014

Agnosticismo

Hoje vou falar sobre agnosticismo pois parece existir ainda muita incompreensão em torno do termo. 

Se eu pergunto a alguém "acreditas em Deus?" e a pessoa me responde "sou agnóstico", não só não respondeu à minha pergunta, como até no contexto da sua resposta foi incompleto. 

(Nota: usar o termo agnóstico não implica forçosamente estar a falar da existência de Deus, podemos ser agnósticos em relação a muitas coisas, por exemplo, Carl Sagan era agnóstico sobre a questão de se existe ou não vida extraterrestre. Neste exemplo uso a questão de Deus porque é onde o termo é mais habitualmente utilizado.)

Neste sentido, dizer que se é agnóstico parece quase uma maneira de evitar o debate. Criou-se a ideia de que existe o ateu, o teísta e depois o agnóstico que está entre os dois, e por estar numa posição intermédia é considerado o mais sensato. E ao mesmo tempo evita comprometer-se com uma ou outra posição. O que parecem não perceber, é que enquanto o ateísmo/teísmo lida com crenças, ou seja, acreditamos ou não em Deus(es), o agnosticismo lida com motivos para essas crenças.

Tentando explicar isto da uma forma mais simples, se eu perguntasse "Deus existe?" e a pessoa respondesse "não sei", isso é de facto uma posição agnóstica. Nesse sentido quase toda gente, eu incluído, é agnóstico. Não posso afirmar com 100% de certeza que Deus não existe da mesma maneira que não posso afirmar com 100% certeza que a fada dos dentes não existe. Mas se eu perguntasse "acreditas que Deus existe?" então a resposta é binária: ou sim ou não, não há mais hipóteses! Não se pode responder "não sei se acredito ou não". Uma coisa é ter dúvidas, não estar 100% seguro da crença, mas não saber qual é a nossa opinião não faz sentido.   

Assim, existem duas possíveis respostas agnósticas à pergunta "acreditas que Deus existe?". Uma é: "Não sei se existe ou não, mas acredito que sim." Neste cenário a pessoa é agnóstica-teísta (ou crente). A outra hipótese é "Não sei se existe ou não, mas não acredito." Neste cenário a pessoa é agnóstica-ateia.       

Claro que existem pessoas que afirmam saber, com toda a certeza, que Deus existe ou que não existe. Só nesse caso é que não são consideradas agnósticas. Claro que depois sujeitam-se a estar erradas ou certas mas têm de apresentar provas da sua "sabedoria" caso contrário todos podiam afirmar saber com 100% de certeza tudo o que quisessem. 

O quadro abaixo talvez ajude a perceber:
Outra questão, no que ao agnosticismo diz respeito, é que se pode ser agnóstico de duas maneiras:

A primeira é pensar que saber se Deus existe ou não é algo que nunca saberemos porque será impossível descobrir. Ou seja, não sabemos hoje se Deus existe, nem nunca poderemos saber ao certo.

A segunda é pensar que eventualmente acharemos uma resposta, mas para já, não existem provas suficientes num ou noutro sentido (ou não conseguimos interpretar as provas), o que justifica o agnosticismo. 

Eu compreendo que tudo isto pode parecer algo confuso, mas tem na realidade toda a lógica. Para o caso não me ter explicado bem, aconselho a leitura da página "Iron Chariots Wiki":

Agnosticismo: http://wiki.ironchariots.org/index.php?title=Agnosticism

Ateísmo vs. Agnosticismo:  http://wiki.ironchariots.org/index.php?title=Atheist_vs._agnostic 

    

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Futebol

O desporto que mais gosto de ver ser jogado e que de uma maneira geral mais acompanho é de longe o futebol. Estou longe de ser o único, já que se trata do desporto com mais atletas e espectadores a nível mundial. Estima-se que haja no mundo cerca de 3,5 mil milhões de fãs de futebol o que, a ser verdade, equivale a sensivelmente metade da população mundial. 

Mas afinal, o que tem de tão especial? Uma expressão já batida diz que é "apenas um grupo de homens a correr atrás de uma bola." 
Mas não é só isso, não pode ser. Na sua essência, no jogo em si, até não está longe da verdade. Mas até das mais simples regras, como ver quem consegue fazer a bola entrar mais vezes numa rede no fim do campo, se podem criar histórias extraordinárias. Histórias que nos falam da sociedade, da amizade, do respeito, da raiva, da tristeza, de heróis, de vilões, de sacrifícios, de inteligência, de coragem, do ser humano. 
Já César Menotti (treinador argentino, campeão do mundo em 1978) dizia:

"Através da forma de jogar das minhas equipas, eu falo da sociedade em que gostaria de viver." 

Uma das belezas deste desporto, é que na sua base é tão simples, que qualquer pessoa o consegue perceber e ao mesmo tempo tão complexo que se torna difícil de abordar. 
Uma discussão, como a que se ouve nos cafés, sobre futebol, pode ir desde se o Jorge Jesus fez bem ao não ter posto o Óscar Cardozo a jogar, até se a filosofia de jogo do Barcelona se adequa à mentalidade independentista catalã. (Obviamente discussões como esta última são bem mais raras e geralmente não acontecem nos cafés) Tudo isto é claro para os amantes do futebol. 

Um caso diferente é o dos adeptos fanáticos cujo único pensamento é simplesmente se o seu clube ganha ou não, tudo o resto é irrelevante. Para mim um adepto fanático, é aquele que quando a sua equipa perde fica doente, é aquele que quando uma equipa rival joga uma final europeia contra uma equipa estrangeira torce pelos estrangeiros só para o rival não ganhar, é aquele que desculpa o insucesso da sua equipa e o sucesso dos rivais com nada mais que culpa dos árbitros, no fundo, é aquele que por mais que tente não consegue ser minimamente imparcial. 
Não consigo entender esta forma de ver futebol. Para mim ver futebol é diversão, porque havia de ficar doente se a minha equipa perder? A nível pessoal, no dia-a-dia, não ganho nem perco nada quer a minha equipa ganhe ou perca. Porque haveria de torcer pelos estrangeiros se uma vitória de um rival é bom para o meu país e indirectamente para o meu clube? Porque haveria de me desculpar com arbitragens se a minha equipa estiver a jogar mal? Eu não quero ser mais que os outros, mas considero-me um adepto de futebol imparcial porque para mim, o clubismo está abaixo do prazer de ver futebol, isto é, porque haveria eu sequer de apoiar um clube se não gostasse primeiro do futebol em si? É claro que se o Benfica estiver a 5 minutos do fim a ganhar 1-0 uma final europeia só quero que faça anti-jogo, mas isso é natural. Quando digo que gosto de ver futebol, não me refiro forçosamente a futebol bonito. Tenho noção que não é possível uma equipa ganhar sempre 5-0 e dar espectáculo. Afinal, estamos a falar de jogos entre profissionais altamente competitivos. É por isso que não concordo quando dizem que a equipa X, teoricamente mais forte, tem a obrigação de ganhar à equipa Y. Para mim, no desporto em geral a única obrigação dos atletas é fazer tudo o que está ao seu alcance, dentro das regras do jogo, para terem sucesso. Não se pode exigir vitórias porque se assim fosse o desporto deixava de fazer sentido. Claro que é uma evidencia que se os atletas derem o seu melhor, as equipas mais fortes ganham quase sempre, mas a imprevisibilidade é uma das atracções do desporto.         

Mas para quem não gosta de futebol, e obviamente que nem tem de gostar, (gostos não se discutem) eu percebo que deve ser frustrante e irritante uma enorme parte dos noticiários serem ocupados pelo futebol. Quando ocorre alguma conquista ou acontecimento relevante no futebol, como por exemplo quando o Benfica foi campeão, todos os canais de notícias passaram horas a fio de reportagem sobre a festa. De facto, concordo que se fala demasiado de futebol, devia ser mais equilibrado e regrado. 
Mas também acho que deve haver uma compreensão por parte de quem não gosta, de que o futebol é um fenómeno social, porventura o mais significativo no nosso país (que mais pode levar milhares pessoas a encher completamente o Marquês de Pombal como se assistiu), que influencia a cultura, a economia, a política e até a forma de pensar das pessoas. Contribui para a identidade de um país e pode aumentar ou diminuir a auto-estima de um povo inteiro. 

Podia citar alguns exemplos destes efeitos para os mais cépticos. 

Por exemplo, no futebol é possível observar-se o fenómeno da globalização em todo o seu esplendor: em 1970, jogar com uma equipa sueca ou holandesa significava jogar com homens muito altos, louros e que, regra geral, faziam do seu físico a principal arma de jogo por não possuírem tanta técnica com os pés. Actualmente é normalíssimo ver jogar nestas equipas brasileiros negros com 1,70m e com uma técnica e finta extraordinárias. Isto acontece inclusivamente, nas selecções nacionais. 

Quanto ao impacto económico, já houve estudos que afirmaram que quando o Benfica era campeão aumentava ligeiramente a economia do país. Não tenho competências para avaliar até que ponto isso é verdade, mas não haja dúvidas que organizar o EURO 2004 teve efeitos (geralmente considerados negativos) na economia portuguesa, mas receber a final da Liga dos Campeões no Estádio da Luz pode ter efeitos positivos ao atrair adeptos estrangeiros e patrocínios. 

Por outro lado, ter eventos como estes passam uma imagem positiva da capacidade de Portugal em organizar grandes eventos desportivos. 
Outro exemplo incontornável é a marca CR7, muitíssimo valiosa e invariavelmente associada a Portugal. 

Outro aspecto importante: mesmo sendo um país relativamente pequeno com apenas 10,5 milhões de habitantes, conseguimos a dada altura ter o melhor jogador do mundo (Cristiano Ronaldo), o melhor treinador do mundo (José Mourinho), o melhor árbitro do mundo (Pedro Proença, que apesar das críticas de que é alvo dentro do país, a nível europeu, chegou a arbitrar a Final da Champions e do EURO no mesmo ano) e o melhor agente desportivo do mundo (Jorge Mendes), tudo em simultâneo. Não deixa de ser um motivo de enorme orgulho nacional, especialmente para os muitos emigrantes por esse mundo fora.

Podia escrever um livro sobre os vários impactos do futebol fora do campo, mas acho que estes exemplos são suficientes para se perceber onde quero chegar.  

Este texto tem também uma função de introdução a futuras publicações sobre futebol que farei neste blog, e aqui quis deixar uma ideia da maneira como eu vejo o futebol. Como é óbvio não digo que é a maneira correcta, mas é a minha. E como em todas as minhas opiniões, estou aberto ao debate.   

sábado, 17 de maio de 2014

Religião

Eu sou ateu, e ao escrever sobre religião (um tema pelo qual me sinto bastante interessado) sujeito-me a ser mal interpretado, considerado ofensivo, intolerante e insensível. 
Eu não tenho nada contra pessoas religiosas, aliás respeito todas as pessoas por igual (pelo menos até me darem motivos para não o fazer) e tolero qualquer crença/ideologia que defendam desde que não tenha efeitos negativos na vida dos outros. Posso não respeitar a ideologia em si mas respeito o direito pessoal de a ter. 

Um exemplo do que estou a dizer pode ser o seguinte: imaginem que têm um amigo(a) que conhecem à muitos anos e de quem gostam muito. Uma pessoa verdadeiramente simpática de quem nunca tiveram razão de queixa. Imaginem que algum dia, por acaso durante uma conversa, essa pessoa diz que concorda e sempre concordou com a ideologia Nazi (uso este exemplo porque é fácil à maioria das pessoas reprovarem tal hipótese). Repare-se que nada no seu comportamento ou maneira como trata os outros poderia indiciar a sua ideologia. 
Mesmo sabendo que defendia o nazismo não conseguiriam continuar a respeitar essa pessoa? Evidentemente não teriam de respeitar o nazismo, mas se o vosso amigo nunca fizera nada de mal e a sua crença não influenciá-se negativamente a sua vida ou dos outros, porquê mudar de opinião em relação à pessoa? (Existem situações em que saber a opinião das pessoas em relação a certos assuntos é importante uma vez que pode trazer efeitos nefastos, mas isso fica para outra publicação)  

Se eu, enquanto ateu, rejeita-se as pessoas pelas suas crenças, então teria de rejeitar todos os cristãos uma vez que segundo a sua crença, eu mereço ser torturado para sempre no inferno.

("Quem crê nele não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho único de Deus." (João 3:18))

Como é óbvio não rejeito os cristãos porque mesmo que eles acreditem nesta premissa, ela não afecta a minha vida no dia-a-dia ou pelos menos, não me ocorre nada de negativo por me dar com pessoas com essas crenças. 

Então, se eu respeito as pessoas religiosas, mesmo não concordando com elas, porque razão me sujeito a ser considerado ofensivo ou intolerante por falar na sua religião? 
Isto leva-me a outra questão que é o respeito que a religião merece. Para abordar esta questão vou citar Richard Dawkins e Douglas Adams:

"Há uma ideia generalizada, que quase todos na nossa sociedade aceitam - incluindo os não-religiosos -, de que a fé religiosa é particularmente vulnerável à ofensa e que deve ser protegida por uma invulgarmente grossa muralha de respeito.
(Richard Dawkins, "A Desilusão de Deus")

"A religião tem no seu âmago algumas ideias a que chamamos sagradas ou santas ou seja o que for. O que significa é o seguinte: "Aqui está uma ideia ou uma noção sobre a qual não nos é permitido falar mal; pura e simplesmente. Porquê? - porque não." Se alguém vota num partido com o qual não concordamos, somos livre de discuti-lo tanto quanto nos apetecer, todos terão algo a dizer, mas ninguém se sentirá agastado por isso. Se alguém acha que os impostos devem subir ou descer, somos livres de ter uma opinião. Mas, por outro lado, se alguém diz que "não devo sequer rodar o interruptor de uma lâmpada ao sábado", nós dizemos: "Respeito isso."
Porque razão é perfeitamente legítimo apoiar o Partido Trabalhista ou o Partido Conservador, republicanos ou democratas, este ou aquela modelo económico, Macintosh em vez de Windows, Coca-Cola em vez de Pepsi, - mas ter uma opinião sobre a origem do universo, sobre quem criou o universo...não porque é sagrado?... Estamos habituados a não questionar as ideias religiosas. (...) Mesmo assim, quando olhamos racionalmente para a questão, não há razão para que estas ideias não possam ser discutidas como quaisquer outras, só que de alguma forma concordámos entre nós que o não devem ser.
(Douglas Adams num discurso proferido em Cambridge pouco antes da sua morte em 2001) 

Vivemos, felizmente, num país com liberdade de expressão. Portanto não vejo qualquer problema em expressar a minha opinião sobre um tema do qual gosto de falar. Este texto, serve como que uma introdução a futuras publicações que com certeza farei sobre religião. Se alguma vez eu parecer demasiado ofensivo ou insensível, é porque me sinto verdadeiramente indignado com a ideologia que estou a atacar, mas sempre com a noção que não estou a atacar os seus defensores. Outro aspecto, é que ao apresentar criticas, eu não estou simplesmente a dizer "eu estou certo e tu estás errado" estou meramente a apresentar argumentos que me parecem convincentes, mas cuja reposta e possível refutação eu saúdo de bom grado. Um vez li uma frase de Donald Miller (escritor e pensador cristão) que dizia: 

"You never question the truth of something until you have to explain it to a skeptic." 

Muitas pessoas religiosas passam uma vida sem nunca ser questionadas sobre o que pensam sobre a sua religião, ou porque só se dão com pessoas da mesma religião ou porque simplesmente não falam sobre isso. 
Ter uma mente aberta para o debate é, na minha opinião, uma das maiores qualidades que o ser humano pode ter. E do ponto de vista religioso, se tiver a confiança inabalável de que aquilo em que acredita é verdade, então não vejo o que tem a temer em debater essas ideias. Aliás, na Bíblia está escrito explicitamente que os fieis não devem temer responder aos cépticos:

"Não temam as ameaças dos homens nem se deixem perturbar, e, nos vossos corações, honrem a Cristo como Senhor. Estejam sempre preparados para responder a todos os que vos interrogarem acerca da esperança que têm. Mas façam-no com gentileza e respeito, tendo a consciência tranquila." 
(1 Pedro 3:14 a 3:16)    

(Já agora aproveito para esclarecer que sou ateu em relação a todas as religiões. (Obviamente, caso contrário não me identificava como ateu mas como seguidor da religião em causa) Quis fazer este esclarecimento porque em futuras publicações poderá notar-se que falo, que é como quem diz critico, mais o cristianismo que outras religiões, podendo dar a impressão que estou a insinuar que as outras são melhores. Não se trata disso, todas têm defeitos e porventura qualidades, eu não subscrevo nenhuma. O motivo por que falarei mais do cristianismo é porque é a religião dominante no nosso país (e em todo o Ocidente) e são com seguidores desta religião que eu lido no dia-a-dia. Nem sequer conheço pessoalmente nenhum muçulmano, judeu, hindu, budista, etc. (não que me importasse, antes pelo contrário). De resto, mesmo que em menor escala, pretendo abordar outras religiões em futuras publicações, nomeadamente o Islamismo, pelo qual também nutro especial curiosidade. Fica o esclarecimento.) 
         

sábado, 10 de maio de 2014

A Praxe Académica

Hoje vou falar sobre um tema bastante badalado em Portugal nos últimos meses e sobre o qual eu tenho uma forte opinião: a praxe académica. Indo directo ao assunto, eu sou contra a praxe, não concordo que se realize e por mim não existia. Acho-a uma brincadeira completamente ridícula e em nada prestigiante quer para os alunos, quer para as instituições onde ocorrem. (Antes que passe uma imagem de intolerância, digo já que também sou, como explico mais à frente, contra a proibição da praxe. Aliás, não tenho problema nenhum com quem participa, participou ou apoia a praxe, simplesmente sou contra a sua existência da mesma maneira que sou contra a existência de programas como "Keeping up with the Kardashians". Sou contra mas não declaro guerra a quem apoia)  Dito isto, não vou entrar na parvoíce de "é tudo culpa da praxe" e de que é tudo uma seita e de que os trajados vão fazer bruxarias e sei lá que mais parvoíces as pessoas inventam. A larga maioria dos alunos que participam na praxe são pessoas responsáveis, tão aplicados como qualquer outro, e que não levam o ritual da praxe a níveis intoleráveis. Não são as pessoas que eu ponho em causa, mas sim o ritual em si. Para mim é um tema interessante e motivador para debate. E já agora, não vale a pena vir com o argumento que tantos aplausos arrancou do publico estudantil quando este tema foi debatido no Prós e Contras da RTP de que devia-mos era preocupar-nos com o estado do ensino superior em Portugal e não com estas brincadeiras. Que maneira tão óbvia de fugir ao debate! É claro que a praxe está longe ser um tema prioritário mas desde quando é que se só se pode discutir as prioridades? Se fosse assim, em Portugal ninguém discutia futebol nem literatura nem nada que não fosse de primeira urgência no país. Para mim todo o debate sobre temas que dividam opiniões é bem vindo, quanto mais não seja para que as pessoas fiquem a par dos argumentos a favor e contra. E por falar em argumentos, decidi adoptar o mesmo método que usei no meu texto sobre a pena de morte, ou seja, apresentar os argumentos mais populares usados para defender a praxe e a minha respectiva resposta.

    Argumentos a favor da praxe académica e respectivas respostas

A praxe é tradição e como tal deve ser preservada
A praxe académica em Portugal só é tradição (realmente antiga embora ao longo dos anos se tenha modificado várias vezes) em Coimbra. No resto do país simplesmente não tem tradição! A praxe como é encarada hoje começou a adquirir os contornos actuais nos anos de 1990 como forma de identidade das instituições com o massificar do ensino superior. Nessa altura começou a ser banal os jovens ingressarem na faculdade ao contrário do que acontecia em décadas anteriores em que só uma minoria, geralmente abastada, o fazia. Criou-se a necessidade de inventar tradições à pressa para voltar a tornar o ensino superior especial, e a praxe era o que estava mais à mão. É difícil este argumento da tradição pegar quando a praxe nem sequer existia quando os que estão agora a praxar nasceram. As pessoas que usam este argumento só demonstram que não se deram ao trabalho de investigar a história. E depois há outro aspecto: mesmo que fosse tradição, e depois? Como se a sociedade fosse obrigada a seguir tradições! Já foi tradição a execução pública de mulheres que se pensava serem bruxas queimando-as vivas em plena praça pública. Se não abdicássemos das tradições idiotas ainda viveríamos na idade das trevas.

A praxe integra os novos alunos
Isto é um dos argumentos mais ridículos. Colocar pessoas desconhecidas em situações socialmente constrangedoras e obrigá-las a conhecer-se pode integrar, mas é de longe uma das piores maneiras de o fazer. Qual é exactamente o argumento? Que os alunos não se integrariam se não houvesse praxe? Então como faziam antes da década de 90? E pelas universidades desse mundo fora onde a praxe não existe? Os alunos não interagem e não formam amizades uns com os outros nessas situações? Mesmo que a praxe integre jovens que acabam de chegar a um ambiente novo e onde estão fora da sua zona de conforto, fazê-lo recorrendo a uma humilhação colectiva consentida está errado por princípio. Ainda se os alunos mais veteranos os recebessem como iguais, apenas para mostrar os cantos à casa, mas não, os caloiros são ensinados a serem submissos perante os seus “superiores” e participarem em jogos degradantes, infantis e ridículos.     

A praxe é divertida
Se alguém disser que rebolar no chão, ficar completamente imundo por chafurdar na lama e ter ovos e farinha no cabelo, cantar obscenidades e auto-insultar-se é divertido, então das duas uma: ou eu tenho uma concepção de diversão muito estranha ou estou a falar com alguém que não está na plenitude das suas faculdades mentais. De facto, todas estas actividades, quando reivindicadas por alguém com estatuto superior, em qualquer outro contexto da sociedade poderiam ser classificadas como Bullying. Se são assim tão divertidas, porque razão os participantes só realizam estas actividades em contexto de praxe e nunca por si próprios a título pessoal? Se é apenas diversão, porque razão muitos dos caloiros ficam nervosos no seu primeiro dia na universidade, precisamente por saberem que vão ser praxados? Não quer dizer que não possa haver uma ou outra actividade que seja divertida (ou melhor ainda, útil como é o caso da praxe solidária) mas daí a dizer que a praxe, como um todo, é divertida é como tapar o sol com uma peneira. Será divertida, isso sim, para os veteranos, que tem rédea solta para exercitar os pequenos ditadores que têm dentro de si, mas para quem está a sofrer a praxe, a menos que seja masoquista, não pode ser divertido.        
Só é contra a praxe quem não foi praxado  
Esta afirmação é obviamente falsa. Já houve em Portugal, situações de alunos que processaram os seus amáveis colegas mais velhos por abusos durante a praxe, e muitos alunos desistem da praxe a meio, portanto esse argumento pode ser comprovadamente refutado. Mas qual é o propósito deste argumento? Uma pessoa só pode ter opinião sobre a praxe se tiver participado? Isso é como dizer que eu só posso achar que as drogas são más para o meu corpo se já tiver sido toxicodependente! É completamente ridículo. Possivelmente, o que este argumento quer insinuar, é que quem é praxado gosta da experiência. Pois tudo bem, até pode ter adorado, mas isso não faz da praxe menos ridícula! Lá porque alguém gosta de fazer actividades idiotas e por vezes perigosas (não vamos esquecer que já houve vítimas mortais), era só o que faltava a sociedade aplaudir e dizer “bem aquilo parece ser horrível, mas se há quem goste, então não posso ser contra.”

O que se vê nos documentários sobre a praxe não é praxe
Bem, então nesse caso o que chamamos às actividades degradantes exibidas nessas imagens? Segundo consta, nenhuma daquelas pessoas eram actores contratados para fingir que estavam a ser praxados, são imagens de alunos comuns e reais, filmados por várias instituições por esse país fora. Mesmo admitindo que aquilo não é assim em todas as universidades, não podem negar que o é em algumas. Mesmo admitindo que as reportagens apenas mostram a pior parte da praxe, não podem negar que é uma parte integrante dessa mesma praxe. Mesmo que a praxe tivesse uma “parte boa”, isso não compensaria a parte má. Isso seria como dizer que o nazismo até foi bom porque reduziu a taxa de inflação na Alemanha. É compreensível que os apologistas da praxe se queiram demarcar do que se vê nesses documentários porque até para o mais tresloucado defensor da praxe, aquelas imagens demonstram a barbaridade que a praxe verdadeiramente é. O seu único modo de defesa é dizer “ah mas quilo não é praxe”. Ai isso é que é, e eles sabem! Não dá é jeito admitirem ao país que é aquilo que os jovens vão fazer para a faculdade, geralmente com um enorme encargo financeiro para os pais e para o estado. Então, já que aquilo não é praxe, expliquem o que é a praxe verdadeira? Será os caloiros passearem de mão dada com os veteranos à beira mar?    

Ser praxado é bom porque depois o teu padrinho/madrinha podem ajudar-te
Muito bem, vou admitir que na maior parte das vezes, de facto, os padrinhos fornecem aos afilhados apontamentos, antigos exames e trabalhos, e duma maneira geral, quando são solicitados ajudam. Mas não é isso que seria de esperar numa comunidade estudantil? Digamos que temos um aluno A que foi praxado e pediu uns apontamentos ao seu padrinho. Temos outro aluno B que não foi praxado e como tal não tem padrinhos, mas como seria normal pede os apontamentos ao seu colega (do seu ano). Ora, é perfeitamente natural que este seu colega lhe empreste, portanto ter sido ou não praxado foi irrelevante, ambos receberam os apontamentos que queriam. Mas imaginemos que, por não ter sido praxado, o aluno A não empresta os apontamentos (ou o padrinho não permite que o seu afilhado empreste) ao aluno B. Sendo assim, temos um caso grave que é o seguinte: a praxe em vez de integrar como é, segundo dizem, o seu objectivo, serviu para excluir um aluno, simplesmente porque este pensa de maneira diferente (ou seja por não querer ter sido praxado). Nesta situação a praxe serviria, não como actividade de inclusão, mas de exclusão social.    

Proibir a praxe seria um atentado à liberdade dos alunos
Concordo plenamente! Sou contra a proibição por dois motivos: Primeiro, como exactamente é que se poderia proibir a praxe? A praxe não tem uma definição específica. Podemos proibir o uso de penicos na cabeça na via pública mas logo os alunos inventariam outra coisa qualquer. Podemos proibir a praxe dentro da universidade mas os alunos juntar-se-iam noutros locais fora do perímetro proibido. Portanto, não sei como se poderia em termos legais proibir a praxe. Por outro lado, qualquer abuso que possa eventualmente ocorrer durante uma praxe já pode ser denunciado como crime por isso inventar mais proibições seria redundante.
Depois, apesar de ser veementemente contra a praxe, sou um defensor da liberdade, e portanto se um aluno, mesmo sabendo exactamente o que é a praxe (porque muitos não sabem no que se estão a meter) quiser ser praxado e/ou praxar então que o faça, eu nunca o impediria. O que eu faço é apresentar os argumentos pelos quais eu acho que a praxe não devia existir, e se dessa maneira convencer alguém a não participar, tanto melhor. Mas se eu quisesse impor a minha opinião como lei, aí sim, seria um atentado à liberdade, que, como digo, defendo. O fim da praxe não se consegue com questões legais, mas sim denegrindo a imagem deste ritual ridículo para que os jovens caloiros não queiram participar e assim, com os anos, o número de praxes ir diminuindo até à eventual extinção.  

Só é praxado quem quer, portanto qual é o problema?
Realmente, a praxe não é obrigatória (era só o que faltava), mas o problema é que é dado a entender aos caloiros que se não forem praxados serão excluídos e não poderão trajar. Portanto no fundo, é chantagem. É natural que um jovem, geralmente na casa dos 17-20 anos que acaba de chegar a um ambiente novo onde não conhece nada queira integrar-se e ambientar-se o melhor possível. No seu íntimo até pode não querer ser praxado, mas a perspectiva de ser excluído levam a melhor e acaba por fazer algo que à partida talvez não quisesse. Claro que nunca é dito “se não fores à praxe não terás amigos” (até porque geralmente e felizmente isso é mentira), mas também nunca é dito ”se não quiseres ser praxado não te preocupes, quem não praxa é indiferente dos que praxam”. Isso nunca é dito porque os veteranos sabem que se isso fosse desde o início explicado aos caloiros, o número de participantes cairia a pique.
Quanto à questão do traje, é, realmente uma vergonha que algo como uma peça de vestuário que simboliza a vida académica da universidade tenha sido apropriada pela praxe. Como se um aluno não tivesse o mesmo direito a usar a indumentária quer tenha ou não sido praxado! De toda a questão da praxe, é a única coisa que, na minha opinião, se aproveita mas que, infelizmente, muitos dos alunos estejam privados de usar sem serem alvo de condenações só porque pensam de maneira diferente e não foram com o resto do rebanho. Lamentável.    

As supostas vítimas mortais não foram culpa da praxe
Acho impressionante que sempre que alguém falece em contexto académico, mesmo que não se saiba o que aconteceu ao certo, os apologistas da praxe vêm logo a correr dizer que a culpa não foi da praxe ou que o que estavam a fazer não era praxe. Como sabem? Pelo menos no caso específico de Cristina Ratinho, do Instituto Politécnico de Beja, sabe-se que teve uma paragem cardíaca durante a sua praxe. É verdade que a jovem já sofria de problemas de coração, mas isso não foi o suficiente para a impedir de querer ser praxada. No fundo, ser vítima da chantagem que é a praxe. Nos casos específicos e mais mediáticos que foram a tragédia do Meco e do muro da Universidade do Minho, de onde resultou um total de oito mortos, dizer que aquilo não era praxe é atirar areia para os olhos a tentar esconder o facto da praxe ser o verdadeiro problema. Mesmo que as actividades que os alunos estavam a desempenhar não fossem tecnicamente praxe, essas actividades não ocorreriam se não existissem as praxes. 
No caso da praia do Meco, nenhum dos alunos envolvidos era sequer caloiro, portanto, por definição aquilo provavelmente não seria uma praxe normal. Segundo foi noticiado, e não vale a pena fingir que os defensores da praxe têm mais “inside information” que qualquer outra pessoa, esses alunos estavam a realizar um ritual para seleccionar um novo Dux quando foram levados pelo mar. Ora, tecnicamente não era uma praxe, mas para que seria necessário escolher um Dux se a praxe não existisse? Aquilo foi feito num contexto de praxe, não tendo sido uma praxe. Se tivesse sido apenas um acidente entre um grupo de amigos que passeava pela praia durante a noite, então porque foram os alunos da sua universidade avisados (praticamente ameaçados) a não falar com os jornalistas e autoridades, especialmente sobre os seus rituais de praxe? Porquê tanta resistência do único sobrevivente, que até era o actual Dux, em falar e explicar o que aconteceu? 
Já no caso da queda do muro no Minho, a tragédia terá ocorrido durante uma “guerra de cursos” em que alunos do curso de engenharia informática e de medicina se insultavam mutuamente. Despiques ocasionais entre alunos é algo normal e até esperado, mas não me venham dizer que “guerra de cursos” ocorrem espontaneamente sem serem deliberadamente incentivadas. Que um aluno de informática insulte um aluno de medicina seria normal, mas que todos os alunos insultem não uma pessoa concreta, mas o curso em si (ainda para mais medicina e informática) é claramente ridículo e novamente, não sendo, provavelmente, uma praxe no sentido técnico do termo, foi seguramente, feito em contexto de praxe, ou seja uma espécie de ritual incentivado por um ou mais alunos com responsabilidade na comissão de praxe.           

(Vídeo "Prós e Contras - Praxes": https://www.youtube.com/watch?v=eo3lX_gIPo0)  

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A Pena de Morte

Um tema polémico: pena de morte. Trata-se de um dos mais importantes debates da sociedade actual, e como tal, deixo aqui as minhas considerações, ainda que sujeitas a criticas e possível refutação.

A minha posição: sou contra a pena de morte, independentemente da(s) causa(s) que sejam invocadas para a justificar. Estas são as minhas respostas (e a meu ver, refutação) aos mais habituais argumentos a favor da pena de morte (expressos na forma coloquial com que costumam ser invocados):

A pena de morte é uma vingança plenamente justificada. O criminoso merece morrer.
Eu percebo que as vítimas ou familiares das vítimas queiram vingança, eu também quereria, mas é por esse motivo que a justiça não é feita pelas vítimas. Algumas pessoas podem ter dificuldade em perceber porquê. As vítimas muitas vezes, e, justificadamente, ficam cegas de raiva, e querem nada mais que castigar ao máximo quem lhes fez mal. O problema disto é a uniformidade perante o Estado. Nem toda a gente fica com o mesmo nível de  "cegueira". Para quem está de fora, pode parecer uma troca justa e concordar com a família da vítima em matar um homicida, mas e então as pessoas que, se pudessem, matavam um ladrão que lhes roubou a carteira? Existem pessoas assim, mas para quem está de fora, não parece um castigo demasiado excessivo? É por isso que a justiça não pode ser feita pelas vítimas. Tem de haver um efeito reparador da sociedade pelo crime cometido. Se matá-se-mos alguém que nos roubou a carteira, pouco depois teríamos a família do carteirista a pedir a nossa morte, e tornava-se um ciclo interminável. E até desse ponto de vista, não é maior castigo encarcerar um criminoso para o resto da vida, obrigando-o a relembrar todos os dias o que fez que o levou a estar preso, em vez de o matar? Quando morrer, acabou o castigo. Eu acho que é a integridade moral que pede a abolição da pena de morte por uma questão muito simples: é alguma vez correcto e justificado matar um ser humano que não representa para nós uma ameaça imediata tendo hipótese de o encarcerar, garantindo que não poderá repetir o crime?  Novamente, se eu fosse a vítima, quereria ver morto o criminoso, mas no fundo saberia que matá-lo era errado e não desfaz o mal que já foi feito.
O sub-argumento habitual de o criminoso "não fazer cá falta nenhuma" vai simplesmente contra os Direitos Humanos. Por essa lógica podemos desatar a matar os sem-abrigo e pessoas doentes cuja utilidade para a sociedade é nula. O valor da vida é intrínseca e não utilitária!

Matar um criminoso é uma forma de garantir que nunca voltará a fazer mal a ninguém
Isso também se alcança se o criminoso que estaria condenado à morte recebesse prisão perpétua. Apenas uma pequena minoria dos criminosos são, em qualquer ocasião, condenados à morte, portanto a maior parte dos criminosos acabam por ser libertados de qualquer maneira. E antecipando-me ao argumento de “mais vale matá-los que gastar dinheiro a manter-los vivos”, digo que isso me parece completamente imoral, matar meramente por questões económicas. Se manter um prisioneiro vivo custa muito dinheiro, dêem-lhe apenas o meramente indispensável, dêem-lhe comida mais barata. Não quero com isto insinuar que se deve deixá-los mal nutridos. É fundamental garantir as condições e direitos básicos do Homem. Como Henry David Thoreau nos mostrou, um homem não precisa de muito para viver: abrigo, roupa, comida e água. 
Vale a pena não esquecer que o castigo de um prisioneiro é estar preso, não passar fome, ser espancado e violado dentro da prisão. 

A pena de morte tem um efeito dissuasor noutros criminosos
Os dados estatísticos contrariam esta afirmação, há estados na América onde existe a pena de morte com mais crime que noutros estados que não a permitem. O Texas por exemplo, é onde mais criminosos foram executados, mas tem uma média de crime superior à taxa do país. Isto acontece porque os assassínios têm três motivos fundamentais: uma pessoa está disposta a matar por paixão, lucro ou impulso. Se for por paixão, o assassino quer apenas matar a pessoa específica que é alvo do seu ódio e fica cega com esse ódio, logo, não é dissuadida por saber que pode ser executada. Se for por lucro, geralmente são bastante racionais na maneira de cometer o crime, e por isso pensam que nunca serão apanhados, não sendo por isso dissuadidos. Se for impulsivo como no caso dos Serial Killers, então eles sabem que estão cometer um crime, já que muitas vezes tentam escondê-lo mas fazem-no de qualquer maneira, portanto não foram dissuadidos.

Só os piores assassinos são executados, por isso não se perde nada em matá-los    
Se isto é verdade, então porque há casos de indivíduos no corredor da morte que antes de serem executados são ilibados e libertados (121 nos últimos 30 anos nos EUA)? O sistema judicial é composto por pessoas, e como todas as pessoas, erram. Há casos em que o advogado de acusação esconde factos que poderiam ilibar o criminoso para ganhar o julgamento. Confiar em indivíduos com objectivos pessoais o poder de acabar com a vida de uma pessoa não pode ser bom. O governo devia em todas as ocasiões proteger os seus habitantes e não matá-los. Se permitir-mos a pena de morte e matar-mos uma pessoa (uma só que seja) que se descobre depois, estava inocente, cometemos por definição, enquanto sociedade, um homicídio. Matámos uma pessoa inocente. E se cometemos um homicídio, somos um assassino que também mereceria ser morto…é um paradoxo que pode ser evitado se não permitir-mos a pena capital.  
  
Os métodos de execução são indolores
Para bem da discussão, vamos saltar a parte do terror psicológico que um indivíduo a caminho da sua execução deve sentir, e vamos também saltar os métodos mais antigos de execução como enforcamento, cadeira eléctrica, pelotão de fuzilamento, câmara de gás etc. (nenhum destes métodos garante uma morte rápida e indolor) e focarmo-nos no mais utilizado actualmente: a injecção letal. Desde logo ressalvar que a este método não foi criado para ser mais fácil para quem o sofre mas sim para quem o administra, uma vez que é relativamente rápido e não mutila o corpo (ao contrário por exemplo do esquadrão de fuzilamento onde ficamos com uma sala cheia de sangue). Neste método, o individuo é anestesiado e seguidamente paralisado. Por fim é introduzido o veneno que o mata. Não parece muito mau pois não? Pois o problema é que, como alguns estudos já demonstraram, não é administrado muitas vezes as quantidades certas de anestesia. Portanto imaginem o sofrimento de quem está paralisado, e como tal não consegue indicar aos seus carrascos que ainda está consciente e sentir o veneno espalhar-se pelo corpo… Por muito que queiram fazer parecer que morrer não custa nada, não há nenhum método utilizado que garanta uma morte indolor.    



Fontes:

http://www.deathpenaltyinfo.org/innocence-list-those-freed-death-row

domingo, 4 de maio de 2014

Engolimos aranhas enquanto dormimos?

A história de “tu comes X número de aranhas enquanto dormes por ano” muda dependendo de a quem se perguntar. Algumas pessoas dizem três, outras oito, e algumas podem chegar ás dúzias. Mas se perguntar a alguém que realmente perceba de aranhas, o número de aranhas ingeridas cai para zero.

Pense da seguinte maneira, diz Rod Crawford, curador de aracnídeos no Burke Museum de Seattle (EUA) e dedicado caçador de mitos sobre aranhas: Para engolir apenas uma aranha enquanto dorme, um enorme número de circunstâncias extremamente improváveis teriam de ocorrer ao mesmo tempo.

A primeira é simples: a boca teria de estar aberta. Claro que algumas pessoas dormem assim, mas nem toda a gente. Portanto se não houver boca aberta, não há aranhas engolidas!

Segunda: as aranhas têm de se deslocar para a cama. “Uma cama normal e bem feita,” diz Crawford, “tem talvez uma ou duas aranhas a atravessá-la por ano.” Se acrescentarmos humanos a essa cama, as aranhas não querem ter nada a haver com ela. “A maioria das pessoas mexe-se e rebola enquanto dorme.” escrevem os médicos Aaron Carroll e Rachel Vreeman no seu livro “Não engulas a tua pastilha!: Mitos, meias-verdades e mentiras sobre o teu corpo e saúde”. “Este movimento provavelmente assustaria as aranhas e afastá-las-ia de si e da sua cara.”

Terceira e quarta: A aranha teria de estar a atravessar o seu corpo (o que já de si é improvável) junto à boca, e entrar num orifício a exalar ar quente. Experimente soprar levemente sobre uma aranha e observar como ela reage, diz Crawford, elas simplesmente não gostam e tentam fugir.

Finalmente, teríamos de a engolir enquanto dormimos, pois a aranha não conseguiria simplesmente caminhar pela nossa língua e pela garganta abaixo, até porque a nossa face, lábios e interior da boca são zonas muito sensíveis, com milhares de terminações nervosas por isso, a menos que estivéssemos num sono anormalmente profundo sentiríamos a aranha na pele, porque estamos biologicamente preparados para sentir insectos rastejantes como forma de defesa. É por isso que por vezes sentimos impressões na pele, principalmente quando vemos ou pensamos em insectos. Mas, como afirmam Carroll e Vreeman, nós não engolimos automaticamente tudo o que nos entra na boca

Portanto, a única possibilidade seria se a aranha descesse a partir do tecto pendurada numa teia. A aranha teria de acertar em cheio no alvo – a boca – sem tocar nos lábios ou interior da boca, o que seria difícil com a corrente de ar provocada pela respiração. Teria de chegar até à garganta, suficientemente fundo para provocar o reflexo de engolir.

As probabilidades de engolir uma só aranha são, portanto, diminutas, quanto mais várias ao longo dos anos. Carroll e Vreeman escrevem: “As probabilidades destas circunstâncias ocorrerem todas ao mesmo tempo – de haver uma aranha potencialmente suicida nas proximidades da tua boca e de esta entrar deliberadamente num local escuro, húmido, quente e activar o reflexo de engolir – são incrivelmente pequenas.”

Não quer isto dizer que tal acontecimento seja impossível, mas não existem provas sólidas de que acontece. Muitas pessoas, em todo o mundo, observam outras a dormir mas nunca houve relato de uma testemunha que observou ou impediu que uma aranha entrasse na boca de alguém.

Não existe qualquer estudo científico sério feito que trate este assunto. Porque é que os cientistas não estudam este fenómeno? Porque simplesmente não acontece. As pessoas tendem a acreditar neste mito, porque pôr números como “engoles 10 aranhas por ano” fá-lo parecer uma estatística cientificamente provada, mas obviamente não é. Até pelo facto de este número variar imenso dependendo de a quem perguntas. Mesmo que uma versão fosse verdadeira, todas as outras teriam de ser mentira.  

Mas espera, há mais!

Este mito urbano não se fica por aqui! Muitos artigos dedicados a refutar este mito apontam para um artigo escrito no início da década de 1990 sobre informação incorrecta na Internet como a sua origem. O artigo dizia: “Não se preocupem, esta “estatística” foi inventada como um exemplo das coisas absurdas que as pessoas acreditam só porque se cruzam com a informação na Internet.”

Num artigo de 1993 da revista PC Professional a colunista Lisa Holst escreveu sobre a ubíqua lista de “factos” que circulavam via e-mail e como eram aceites pelos ingénuos internautas. Para demonstrar a sua teoria, Holst produziu a sua própria lista de factos falsos, entre os quais o famoso mito de comer X aranhas por ano. Este mito circulou até se tornar num dos “factos” mais famosos da Internet. Desde essa altura, a revista PC Profissional acabou e não há registos da colunista Lisa Holst, por isso é difícil provar se esta história da origem do mito é real ou não. Mas uma coisa é certa: durmam descansados, não se preocupem com aranhas. (em engoli-las pelo menos, pois se viverem num país onde habitem aranhas venenosas como a viúva negra, aí sim preocupem-se) 

Fontes

14/04/2014