Argumentos a favor da praxe académica e respectivas respostas
A praxe é tradição e como tal deve
ser preservada
A praxe académica em Portugal só é
tradição (realmente antiga embora ao longo dos anos se tenha modificado várias
vezes) em Coimbra. No resto do país simplesmente não tem tradição! A praxe como
é encarada hoje começou a adquirir os contornos actuais nos anos de 1990 como
forma de identidade das instituições com o massificar do ensino superior. Nessa
altura começou a ser banal os jovens ingressarem na faculdade ao contrário do
que acontecia em décadas anteriores em que só uma minoria, geralmente abastada,
o fazia. Criou-se a necessidade de inventar tradições à pressa para voltar a
tornar o ensino superior especial, e a praxe era o que estava mais à mão. É
difícil este argumento da tradição pegar quando a praxe nem sequer existia
quando os que estão agora a praxar nasceram. As pessoas que usam este argumento
só demonstram que não se deram ao trabalho de investigar a história. E depois
há outro aspecto: mesmo que fosse tradição, e depois? Como se a sociedade fosse
obrigada a seguir tradições! Já foi tradição a execução pública de mulheres que
se pensava serem bruxas queimando-as vivas em plena praça pública. Se não abdicássemos
das tradições idiotas ainda viveríamos na idade das trevas.
A praxe integra os novos alunos
Isto é um dos argumentos mais
ridículos. Colocar pessoas desconhecidas em situações socialmente
constrangedoras e obrigá-las a conhecer-se pode integrar, mas é de longe uma
das piores maneiras de o fazer. Qual é exactamente o argumento? Que os alunos
não se integrariam se não houvesse praxe? Então como faziam antes da década de
90? E pelas universidades desse mundo fora onde a praxe não existe? Os alunos
não interagem e não formam amizades uns com os outros nessas situações? Mesmo
que a praxe integre jovens que acabam de chegar a um ambiente novo e onde estão
fora da sua zona de conforto, fazê-lo recorrendo a uma humilhação colectiva
consentida está errado por princípio. Ainda se os alunos mais veteranos os
recebessem como iguais, apenas para mostrar os cantos à casa, mas não, os
caloiros são ensinados a serem submissos perante os seus “superiores” e
participarem em jogos degradantes, infantis e ridículos.
A praxe é divertida
Se alguém disser que rebolar no
chão, ficar completamente imundo por chafurdar na lama e ter ovos e farinha no
cabelo, cantar obscenidades e auto-insultar-se é divertido, então das duas uma:
ou eu tenho uma concepção de diversão muito estranha ou estou a falar com
alguém que não está na plenitude das suas faculdades mentais. De facto, todas
estas actividades, quando reivindicadas por alguém com estatuto superior, em
qualquer outro contexto da sociedade poderiam ser classificadas como Bullying.
Se são assim tão divertidas, porque razão os participantes só realizam estas
actividades em contexto de praxe e nunca por si próprios a título pessoal? Se é
apenas diversão, porque razão muitos dos caloiros ficam nervosos no seu
primeiro dia na universidade, precisamente por saberem que vão ser praxados? Não
quer dizer que não possa haver uma ou outra actividade que seja divertida (ou
melhor ainda, útil como é o caso da praxe solidária) mas daí a dizer que a
praxe, como um todo, é divertida é como tapar o sol com uma peneira. Será
divertida, isso sim, para os veteranos, que tem rédea solta para exercitar os
pequenos ditadores que têm dentro de si, mas para quem está a sofrer a praxe, a
menos que seja masoquista, não pode ser divertido.
Só é contra a praxe quem não foi
praxado
Esta afirmação é obviamente falsa.
Já houve em Portugal, situações de alunos que processaram os seus amáveis
colegas mais velhos por abusos durante a praxe, e muitos alunos desistem da
praxe a meio, portanto esse argumento pode ser comprovadamente refutado. Mas
qual é o propósito deste argumento? Uma pessoa só pode ter opinião sobre a
praxe se tiver participado? Isso é como dizer que eu só posso achar que as
drogas são más para o meu corpo se já tiver sido toxicodependente! É
completamente ridículo. Possivelmente, o que este argumento quer insinuar, é
que quem é praxado gosta da experiência. Pois tudo bem, até pode ter adorado,
mas isso não faz da praxe menos ridícula! Lá porque alguém gosta de fazer
actividades idiotas e por vezes perigosas (não vamos esquecer que já houve
vítimas mortais), era só o que faltava a sociedade aplaudir e dizer “bem aquilo
parece ser horrível, mas se há quem goste, então não posso ser contra.”
O que se vê nos documentários
sobre a praxe não é praxe
Bem, então nesse caso o que
chamamos às actividades degradantes exibidas nessas imagens? Segundo consta,
nenhuma daquelas pessoas eram actores contratados para fingir que estavam a ser
praxados, são imagens de alunos comuns e reais, filmados por várias
instituições por esse país fora. Mesmo admitindo que aquilo não é assim em
todas as universidades, não podem negar que o é em algumas. Mesmo admitindo que
as reportagens apenas mostram a pior parte da praxe, não podem negar que é uma
parte integrante dessa mesma praxe. Mesmo que a praxe tivesse uma “parte boa”,
isso não compensaria a parte má. Isso seria como dizer que o nazismo até foi
bom porque reduziu a taxa de inflação na Alemanha. É compreensível que os apologistas
da praxe se queiram demarcar do que se vê nesses documentários porque até para
o mais tresloucado defensor da praxe, aquelas imagens demonstram a barbaridade
que a praxe verdadeiramente é. O seu único modo de defesa é dizer “ah mas quilo
não é praxe”. Ai isso é que é, e eles sabem! Não dá é jeito admitirem ao país
que é aquilo que os jovens vão fazer para a faculdade, geralmente com um enorme
encargo financeiro para os pais e para o estado. Então, já que aquilo não é
praxe, expliquem o que é a praxe verdadeira? Será os caloiros passearem de mão
dada com os veteranos à beira mar?
Ser praxado é bom porque depois o
teu padrinho/madrinha podem ajudar-te
Muito bem, vou admitir que na
maior parte das vezes, de facto, os padrinhos fornecem aos afilhados
apontamentos, antigos exames e trabalhos, e duma maneira geral, quando são
solicitados ajudam. Mas não é isso que seria de esperar numa comunidade
estudantil? Digamos que temos um aluno A que foi praxado e pediu uns
apontamentos ao seu padrinho. Temos outro aluno B que não foi praxado e como
tal não tem padrinhos, mas como seria normal pede os apontamentos ao seu colega
(do seu ano). Ora, é perfeitamente natural que este seu colega lhe empreste,
portanto ter sido ou não praxado foi irrelevante, ambos receberam os
apontamentos que queriam. Mas imaginemos que, por não ter sido praxado, o aluno
A não empresta os apontamentos (ou o padrinho não permite que o seu afilhado
empreste) ao aluno B. Sendo assim, temos um caso grave que é o seguinte: a
praxe em vez de integrar como é, segundo dizem, o seu objectivo, serviu para excluir
um aluno, simplesmente porque este pensa de maneira diferente (ou seja por não
querer ter sido praxado). Nesta situação a praxe serviria, não como actividade
de inclusão, mas de exclusão social.
Proibir a praxe seria um atentado à
liberdade dos alunos
Concordo plenamente! Sou contra a
proibição por dois motivos: Primeiro, como exactamente é que se poderia proibir
a praxe? A praxe não tem uma definição específica. Podemos proibir o uso de
penicos na cabeça na via pública mas logo os alunos inventariam outra coisa
qualquer. Podemos proibir a praxe dentro da universidade mas os alunos
juntar-se-iam noutros locais fora do perímetro proibido. Portanto, não sei como
se poderia em termos legais proibir a praxe. Por outro lado, qualquer abuso que
possa eventualmente ocorrer durante uma praxe já pode ser denunciado como crime
por isso inventar mais proibições seria redundante.
Depois, apesar de ser
veementemente contra a praxe, sou um defensor da liberdade, e portanto se um
aluno, mesmo sabendo exactamente o que é a praxe (porque muitos não sabem no
que se estão a meter) quiser ser praxado e/ou praxar então que o faça, eu nunca
o impediria. O que eu faço é apresentar os argumentos pelos quais eu acho que a
praxe não devia existir, e se dessa maneira convencer alguém a não participar,
tanto melhor. Mas se eu quisesse impor a minha opinião como lei, aí sim, seria
um atentado à liberdade, que, como digo, defendo. O fim da praxe não se
consegue com questões legais, mas sim denegrindo a imagem deste ritual ridículo
para que os jovens caloiros não queiram participar e assim, com os anos, o
número de praxes ir diminuindo até à eventual extinção.
Só é praxado quem quer, portanto
qual é o problema?
Realmente, a praxe não é
obrigatória (era só o que faltava), mas o problema é que é dado a entender aos
caloiros que se não forem praxados serão excluídos e não poderão trajar.
Portanto no fundo, é chantagem. É natural que um jovem, geralmente na casa dos
17-20 anos que acaba de chegar a um ambiente novo onde não conhece nada queira
integrar-se e ambientar-se o melhor possível. No seu íntimo até pode não querer
ser praxado, mas a perspectiva de ser excluído levam a melhor e acaba por fazer
algo que à partida talvez não quisesse. Claro que nunca é dito “se não fores à
praxe não terás amigos” (até porque geralmente e felizmente isso é mentira),
mas também nunca é dito ”se não quiseres ser praxado não te preocupes, quem não
praxa é indiferente dos que praxam”. Isso nunca é dito porque os veteranos
sabem que se isso fosse desde o início explicado aos caloiros, o número de
participantes cairia a pique.
Quanto à questão do traje, é,
realmente uma vergonha que algo como uma peça de vestuário que simboliza a vida
académica da universidade tenha sido apropriada pela praxe. Como se um aluno
não tivesse o mesmo direito a usar a indumentária quer tenha ou não sido
praxado! De toda a questão da praxe, é a única coisa que, na minha opinião, se
aproveita mas que, infelizmente, muitos dos alunos estejam privados de usar sem
serem alvo de condenações só porque pensam de maneira diferente e não foram com
o resto do rebanho. Lamentável.
As supostas vítimas mortais não
foram culpa da praxe
Acho impressionante que sempre que
alguém falece em contexto académico, mesmo que não se saiba o que aconteceu ao
certo, os apologistas da praxe vêm logo a correr dizer que a culpa não foi da
praxe ou que o que estavam a fazer não era praxe. Como sabem? Pelo menos no
caso específico de Cristina Ratinho, do Instituto Politécnico de Beja, sabe-se
que teve uma paragem cardíaca durante a sua praxe. É verdade que a jovem já
sofria de problemas de coração, mas isso não foi o suficiente para a impedir de
querer ser praxada. No fundo, ser vítima da chantagem que é a praxe. Nos casos
específicos e mais mediáticos que foram a tragédia do Meco e do muro da
Universidade do Minho, de onde resultou um total de oito mortos, dizer que
aquilo não era praxe é atirar areia para os olhos a tentar esconder o facto da
praxe ser o verdadeiro problema. Mesmo que as actividades que os alunos estavam
a desempenhar não fossem tecnicamente praxe, essas actividades não ocorreriam
se não existissem as praxes.
No caso da praia do Meco, nenhum
dos alunos envolvidos era sequer caloiro, portanto, por definição aquilo provavelmente
não seria uma praxe normal. Segundo foi noticiado, e não vale a pena fingir que
os defensores da praxe têm mais “inside information” que qualquer outra pessoa,
esses alunos estavam a realizar um ritual para seleccionar um novo Dux quando
foram levados pelo mar. Ora, tecnicamente não era uma praxe, mas para que seria
necessário escolher um Dux se a praxe não existisse? Aquilo foi feito num
contexto de praxe, não tendo sido uma praxe. Se tivesse sido apenas um acidente entre um grupo de amigos que passeava pela praia durante a noite, então porque foram os alunos da sua universidade avisados (praticamente ameaçados) a não falar com os jornalistas e autoridades, especialmente sobre os seus rituais de praxe? Porquê tanta resistência do único sobrevivente, que até era o actual Dux, em falar e explicar o que aconteceu?
Já no caso da queda do muro no
Minho, a tragédia terá ocorrido durante uma “guerra de cursos” em que alunos do
curso de engenharia informática e de medicina se insultavam mutuamente. Despiques
ocasionais entre alunos é algo normal e até esperado, mas não me venham dizer
que “guerra de cursos” ocorrem espontaneamente sem serem deliberadamente
incentivadas. Que um aluno de informática insulte um aluno de medicina seria
normal, mas que todos os alunos insultem não uma pessoa concreta, mas o curso
em si (ainda para mais medicina e informática) é claramente ridículo e novamente,
não sendo, provavelmente, uma praxe no sentido técnico do termo, foi
seguramente, feito em contexto de praxe, ou seja uma espécie de ritual
incentivado por um ou mais alunos com responsabilidade na comissão de praxe. (Vídeo "Prós e Contras - Praxes": https://www.youtube.com/watch?v=eo3lX_gIPo0)

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