A história de “tu comes X número de aranhas enquanto dormes por ano” muda dependendo de a quem se perguntar. Algumas pessoas dizem três, outras oito, e algumas podem chegar ás dúzias. Mas se perguntar a alguém que realmente perceba de aranhas, o número de aranhas ingeridas cai para zero.
Pense da seguinte maneira, diz Rod Crawford, curador de aracnídeos no Burke Museum de Seattle (EUA) e dedicado caçador de mitos sobre aranhas: Para engolir apenas uma aranha enquanto dorme, um enorme número de circunstâncias extremamente improváveis teriam de ocorrer ao mesmo tempo.
A primeira é simples: a boca teria de estar aberta. Claro que algumas pessoas dormem assim, mas nem toda a gente. Portanto se não houver boca aberta, não há aranhas engolidas!
Segunda: as aranhas têm de se deslocar para a cama. “Uma cama normal e bem feita,” diz Crawford, “tem talvez uma ou duas aranhas a atravessá-la por ano.” Se acrescentarmos humanos a essa cama, as aranhas não querem ter nada a haver com ela. “A maioria das pessoas mexe-se e rebola enquanto dorme.” escrevem os médicos Aaron Carroll e Rachel Vreeman no seu livro “Não engulas a tua pastilha!: Mitos, meias-verdades e mentiras sobre o teu corpo e saúde”. “Este movimento provavelmente assustaria as aranhas e afastá-las-ia de si e da sua cara.”
Terceira e quarta: A aranha teria de estar a atravessar o seu corpo (o que já de si é improvável) junto à boca, e entrar num orifício a exalar ar quente. Experimente soprar levemente sobre uma aranha e observar como ela reage, diz Crawford, elas simplesmente não gostam e tentam fugir.
Finalmente, teríamos de a engolir enquanto dormimos, pois a aranha não conseguiria simplesmente caminhar pela nossa língua e pela garganta abaixo, até porque a nossa face, lábios e interior da boca são zonas muito sensíveis, com milhares de terminações nervosas por isso, a menos que estivéssemos num sono anormalmente profundo sentiríamos a aranha na pele, porque estamos biologicamente preparados para sentir insectos rastejantes como forma de defesa. É por isso que por vezes sentimos impressões na pele, principalmente quando vemos ou pensamos em insectos. Mas, como afirmam Carroll e Vreeman, nós não engolimos automaticamente tudo o que nos entra na boca.
Portanto, a única possibilidade seria se a aranha descesse a partir do tecto pendurada numa teia. A aranha teria de acertar em cheio no alvo – a boca – sem tocar nos lábios ou interior da boca, o que seria difícil com a corrente de ar provocada pela respiração. Teria de chegar até à garganta, suficientemente fundo para provocar o reflexo de engolir.
As probabilidades de engolir uma só aranha são, portanto, diminutas, quanto mais várias ao longo dos anos. Carroll e Vreeman escrevem: “As probabilidades destas circunstâncias ocorrerem todas ao mesmo tempo – de haver uma aranha potencialmente suicida nas proximidades da tua boca e de esta entrar deliberadamente num local escuro, húmido, quente e activar o reflexo de engolir – são incrivelmente pequenas.”
Não quer isto dizer que tal acontecimento seja impossível, mas não existem provas sólidas de que acontece. Muitas pessoas, em todo o mundo, observam outras a dormir mas nunca houve relato de uma testemunha que observou ou impediu que uma aranha entrasse na boca de alguém.
Não existe qualquer estudo científico sério feito que trate este assunto. Porque é que os cientistas não estudam este fenómeno? Porque simplesmente não acontece. As pessoas tendem a acreditar neste mito, porque pôr números como “engoles 10 aranhas por ano” fá-lo parecer uma estatística cientificamente provada, mas obviamente não é. Até pelo facto de este número variar imenso dependendo de a quem perguntas. Mesmo que uma versão fosse verdadeira, todas as outras teriam de ser mentira.
Mas espera, há mais!
Este mito urbano não se fica por aqui! Muitos artigos dedicados a refutar este mito apontam para um artigo escrito no início da década de 1990 sobre informação incorrecta na Internet como a sua origem. O artigo dizia: “Não se preocupem, esta “estatística” foi inventada como um exemplo das coisas absurdas que as pessoas acreditam só porque se cruzam com a informação na Internet.”
Num artigo de 1993 da revista PC Professional a colunista Lisa Holst escreveu sobre a ubíqua lista de “factos” que circulavam via e-mail e como eram aceites pelos ingénuos internautas. Para demonstrar a sua teoria, Holst produziu a sua própria lista de factos falsos, entre os quais o famoso mito de comer X aranhas por ano. Este mito circulou até se tornar num dos “factos” mais famosos da Internet. Desde essa altura, a revista PC Profissional acabou e não há registos da colunista Lisa Holst, por isso é difícil provar se esta história da origem do mito é real ou não. Mas uma coisa é certa: durmam descansados, não se preocupem com aranhas. (em engoli-las pelo menos, pois se viverem num país onde habitem aranhas venenosas como a viúva negra, aí sim preocupem-se)
Fontes:
14/04/2014
Sem comentários:
Enviar um comentário